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“Vivemos hoje o pior momento da Política de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos no Brasil”, diz ativista e pesquisadora

  • Date : 10 de dezembro de 2021

Segundo dados da ONU, a cada oito dias uma pessoa defensora de direitos humanos é assassinada no Brasil

Ativista afirma que defensores de direitos humanos contribuem para melhorar as condições sociais, políticas e econômicas dos territórios (Foto: Pixabay)

Para lembrar que não existem direitos sem quem lute por eles, na última quinta-feira (9/12), véspera do Dia Internacional dos Direitos Humanos, é celebrado o Dia Internacional das Pessoas Defensoras de Direitos Humanos.

Além de homenagear as milhares de pessoas que historicamente se dedicaram (e se dedicam) à defesa e garantia da dignidade humana, a data também serve de alerta e reflexão sobre a realidade de violência, impunidade e criminalização enfrentada por boa parte delas, especialmente no atual contexto brasileiro.

Segundo relatório publicado em setembro deste ano pela Global Witness, o Brasil é o quarto país que mais mata defensores e defensoras de direitos humanos no mundo, atrás apenas de Colômbia, México e Filipinas.

De acordo com levantamento do Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas (ONU) para Direitos Humanos, entre 2015 e 2019, 174 líderes comunitários, ativistas, ambientalistas e defensores de direitos humanos foram mortos no país. O que, na prática, significa que a cada oito dias um ativista é assassinado no Brasil e que o país é responsável por mais de 10% das mortes de defensores em todo o mundo.

Quem são?

Em contraposição a rótulos como “defensores de bandidos”, “esquerdistas” ou “povo do mimimi”, a coordenadora geral da ONG Justiça Global e vice-presidenta da Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH), Sandra Carvalho, explica à Pulsar Brasil que as pessoas defensoras de direitos humanos são “todos os indivíduos, grupos, organizações, povos e movimentos sociais que atuam na luta pela eliminação efetiva de quaisquer violações de direitos, violências e em prol das liberdades fundamentais dos povos e indivíduos”.

Com mais de 20 anos de trabalho em organizações de defesa dos DH, Sandra destaca que as defensoras e defensores de direitos humanos “contribuem para melhorar as condições sociais, políticas e econômicas” dos territórios em que atuam e “cumprem um papel essencial para o estabelecimento da democracia e do Estado de Direito”.

Leia mais: Estudo sobre violações de direitos humanos do governo federal na pandemia integra relatório final da CPI da Covid

Contudo, Sandra chama atenação para o fato de que, justamente por desafiar poderes constituídos e responsáveis por violações de direitos humanos, as defensoras e defensores ficam sujeitos a uma série de riscos, que vão desde ataques virtuais, calúnia, difamação, até processos judiciais de criminalização e violência física.

Inclusive, quando questionada sobre as medidas protetivas às defensoras e defensores, a coordenadora da Justiça Global e uma das fundadoras do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH) é categórica:

“Vivemos hoje o pior momento da Política de Proteção às Defensoras e Defensores de Direitos Humanos no Brasil”.

Proteção

Para Luciana Pivato, advogada e coordenadora do Programa Nacional Política e Direitos da ONG Terra de Direitos, o Brasil atravessa “um período de legitimação da violência contra aquelas e aqueles que seguem na defesa da democracia e dos direitos humanos”.

“Os frequentes discursos de autoridades públicas com ataques a movimentos populares terminam por difundir uma noção de autorização para ações violentas. Tudo que acompanhamos sobre a flexibilização das regras para porte de armas e sobre o incentivo ao uso de armas, por exemplo, afeta, direta ou indiretamente, a segurança de defensoras/es de direitos humanos”, analisa.

Também integrante do CBDDH, Pivato destaca à Pulsar que o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), Comunicadores e Ambientalistas, vinculado atualmente ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), sofre seu pior momento durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL).

De acordo com a advogada, “o PPDDH enfrenta uma grave crise, com baixa execução orçamentária, falta de participação social e transparência, baixa institucionalização, insegurança política na gestão, demora, ineficácia e inadequação das medidas protetivas, dentre outros problemas estruturantes”.

Ainda sobre este ponto, Luciana lembra que em setembro deste ano o governo federal publicou  o Decreto 10815/2021 que altera a composição do Conselho Deliberativo do PPDDH. Conforme estabelece a norma, o Conselho passa então a contar com representações da sociedade civil ligadas ao tema de direitos humanos, no entanto, a participação da sociedade não é paritária. O Governo Federal ocupa seis vagas no conselho, enquanto a sociedade civil tem direito à apenas três.

De acordo com Nota Técnica do CBDDH enviada à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (MPF), à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal e ao Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH): “O Decreto, para além de ser insuficiente para garantir a necessária participação dos entes interessados, também não define de forma nítida como se dará a escolha das organizações da sociedade civil e quanto ao tempo de mandato”.

Desafios

Diante de tal cenário, tanto Luciana como Sandra concordam que não há “receitas” ou “roteiros” prontos para que o Brasil avance no sentido da proteção e garantia da vida das defensoras e defensores de DH. Mas ambas apontam algumas questões e “caminhos” que devem ser encarados por ativistas, políticos, organizações sociais e pela sociedade brasileira como um todo.

O enfrentamento à criminalização de movimentos populares e o combate à impunidade às falhas nas investigação de violações contra defensoras e defensores seriam os principais pontos ao lado da elaboração e adoção de medidas protetivas que atendam às especificidades regionais, de raça, gênero e classe.

Ainda entre os desafios a serem enfrentados, as ativistas destacam a necessidade de implementação de políticas públicas que tratem dos problemas estruturais que levam defensores e defensoras a lançar-se à luta.

“É imprescindível que o Estado entenda que um plano de proteção deve conter medidas que visem o enfrentamento das causas das ameaças, isto é, o racismo, o machismo, a concentração de terras, o desmatamento, etc. Sem isso, as medidas de proteção podem até ser eficientes, porém nunca serão suficientes, sempre haverá alguma defensora ou defensor de direitos humanos em risco!”, pontua Luciana Pivato.

Evento

Na tarde de quinta-feira (9), o CBDDH em parceria com o CNDH realizou o encontro “Defensoras e Defensores de Direitos Humanos: desafios e contextos à luz dos cenários de 2021”.

Além de debates sobre a violência, impunidade e criminalização das pessoas defensoras de direitos humanos e sobre a construção de uma política nacional de proteção, o evento contou com o lançamento de um “Curso Online de Proteção Integral para defensoras e defensores”. Para assistir ao debate clique aqui.

Ainda durante o encontro foi lançado o relatório “Começo do fim? O pior momento do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos”, produzido pela Terra de Direitos e Justiça Global.

Baixe aqui o relatório

Reportagem: Filipe Cabral, com edição Jaqueline Deister | Agência de Notícias Pulsar Brasil