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Marco Temporal: Quando haverá justiça para os indígenas no Brasil?

  • Date : 17 de dezembro de 2025

A tese do marco temporal significa, além da usurpação de mais terras indígenas no país, o avanço de crimes ambientais a partir do argumento do desenvolvimento da economia rural

Marcha das Mulheres Indígenas, em 6 de agosto, em Brasília. Crédito: Tatiana Lima

O marco temporal para demarcação de terras indígenas voltou aos holofotes na arena pública nas últimas semanas, com movimentações diferentes no Congresso Nacional, Senado Federal e no Supremo Tribunal Federal (STF), em ambos os casos sob críticas dos povos originários e da sociedade civil, incluindo o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH), composto por 45 organizações movimento sociais.

O marco temporal é a tese segundo a qual os territórios indígenas devem ser reconhecidos de acordo com o momento da promulgação da Constituição Federal, em 1988.

O retorno do debate na esfera pública aconteceu quarta-feira (10/12), Dia Internacional dos Direitos Humanos, quando um dia antes (09/12), o Senado Federal aprovou em dois turnos a tese do marco temporal, determinando a demarcação das terras indígenas a data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, instituindo o marco temporal no texto da Constituição. Essa proposta é defendida por ruralistas – especialmente pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) -, mineradores e grileiros com objetivo da manutenção de exploração econômica das terras indígenas.

Concomitantemente, o julgamento da Lei 14.701/23, conhecida como “Lei do Marco Temporal”, também foi retomado no STF e, em seguida, suspenso no dia 11/12. A decisão foi tomada pelo presidente da Corte, ministro Edson Fachin, após os ministros ouvirem as partes, os interessados nas ações e os amici curiae — amigos da Corte — entidades, comunidades e povos que apresentaram informações, dados e argumentos técnicos e jurídicos para subsidiar a decisão dos magistrados.

Na última segunda-feira (15/12), o julgamento foi retomando, tendo o ministro do Supremo Gilmar Mendes votado pela derrubada da tese do marco temporal. Porém, decidindo na manifestação do seu voto em favor, por exemplo, da exploração dos recursos naturais por não indígenas (por cooperação), da indenização a fazendeiros para a demarcação e também da possibilidade de que os povos sejam alocados em áreas diferentes das que ocupavam originalmente.

A diferença principal do voto de Gilmar Mendes com relação a proposta aprovada no Senado federal é que a proposta do Senado institui o marco temporal no texto da Constituição. Mas em consonância com o Supremo, o texto também prevê a indenização a fazendeiros e a alocação de povos em áreas diferentes das que ocupavam originalmente —além de vedar a ampliação de territórios e prever a participação de proprietários rurais durante todo o processo de demarcação.

O debate sobre o marco remete à interpretação do artigo 231 da Constituição Federal de 1988: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

Diante desse debate, o Comitê, vem a público manifestar não apenas sua preocupação com a aprovação no Senado federal da proposta de emenda constitucional do Marco Temporal, tese-política-jurídica racista, inconstitucional, antidemocrática e anti-indígena que quer retirar os direitos dos povos originários. Mas também reafirmar sua defesa pela não aprovação do marco temporal.

Para o CBDDH, a tese do marco temporal, nomeada pelo movimento indígena como Lei do Genocídio Indígena, além de ser inconstitucional, significa a usurpação de mais terras indígenas no país para o avanço de crimes ambientais por fazendeiros, grileiros e mineradores, sob o argumento do desenvolvimento da economia rural.

Trata-se da permissão para ocorrência de violações de direitos humanos e criminalização de defensoras/es de direitos humanos indígenas, pois na prática, as comunidades que não conseguirem comprovar que estavam nas terras na data do marco temporal, data da promulgação da constituinte, poderão ser expulsas.

O CBDDH espera que esse retrocesso e violência contra os povos originários do Brasil, que viola o direito à vida, não seja mantida.

O marco temporal, conforme decidido no Recurso Extraordinário (RE) nº 1.017.365 (caso do povo Xokleng, Tema 1031), é inconstitucional. A proteção das terras indígenas é pilar para a vida, a cultura e o clima, em benefício de toda a sociedade e dos direitos humanos. Pela proteção de defensoras e defensores de direitos humanos indígenas, o Comitê é contra a tese do marco temporal.

Para nós, assim como afirma o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em notícia publicada em no dia 9 de dezembro: “a questão fundamental é que o pensamento do mercado nos está conduzindo a um colapso ambiental de consequências irreversíveis enquanto a perspectiva ética dos povos indígenas nos releva saídas coletivas. Saídas que passam, de forma inexorável, pela demarcação e proteção de suas terras”.

Em consonância com o Cimi, reiteramos que: “o maior obstáculo para a democracia é a ganância de uns poucos e a forma como esses interesses particulares se apropriam das instituições políticas que deveriam representar-nos; que deveriam prezar pela convivência e o bem comum. É necessário que a justiça esteja ao lado dos primeiros moradores destas terras”.

E questionamos: “Quando haverá justiça para os indígenas que vivem no Brasil?”

Texto: Ascom CBDDH, com informações do Cimi, Folha de S. Paulo, CNN, Terra de Direitos e Justiça Global.