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Proteção aos defensores de direitos humanos teve baixa execução orçamentária em 10 dos 20 anos de existência

  • Date : 11 de agosto de 2025

O Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos considera ‘inadequado’ o investimento do programa

Foto: Renato Santana/Cimi

Reportagem de Carolina Oliveira

A despeito do aumento orçamentário para a proteção de defensores de direitos humanos entre 2005 e 2024, saindo de R$ 1 milhão para R$ 13 milhões, o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH) considera que o montante de recursos destinados ao Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) é “inadequado” e de baixa execução.

De acordo com um dossiê do comitê publicado nesta terça-feira (5), a execução do orçamento ficou abaixo do previsto em 10 dos 20 anos. Em 2018, cerca de R$ 400 mil foram executados de uma dotação inicial de R$ 15 milhões. Em 2023, dos R$ 18,9 milhões reservados para o programa, apenas R$ 8,3 milhões foram aplicados no exercício corrente, com a execução chegando a R$ 13,8 milhões ao considerar os restos a pagar.

Em nota ao Brasil de Fato, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) informou que a execução orçamentária do programa em 2024 chegou a 99,83% – foram executados ou empenhados R$ 46,9 milhões de um valor total de R$ 47 milhões destinados a esse fim. Em 2023, segue a pasta, o orçamento foi de R$ 44,5 milhões, com execução ou empenho de 99,8% do recurso.

O dossiê foi lançado por ocasião dos 20 anos do comitê e das políticas para a proteção de defensores, completados neste ano. O grupo nasceu em 2004 com o objetivo de articular a sociedade civil em torno da proteção de defensoras e defensores de direitos humanos e acompanhar a implementação da política pública de proteção. Três anos depois, em 2007, foi criada a Política Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos por meio de um decreto. Desde 2005, no entanto, já havia previsão orçamentária para tratar do assunto.

Entre 2014 e 2025, o número de pedidos de inclusão no PPDDH cresceu cerca de 1.300%, segundo o MDHC. Embora o governo federal relacione o aumento ao fortalecimento da política, o pesquisador Antônio Neto, da plataforma Justiça Global, avalia que foram observados “mais retrocessos e desafios do que avanços” na proteção aos defensores ao longo das duas últimas décadas.

“Todo ano, o comitê escreve documentos de monitoramento, avaliação e recomendação, e é importante dizer que, nesses 20 anos, as recomendações basicamente se repetem”, afirmou em entrevista ao Brasil de Fato.

Um exemplo das lacunas apontadas no documento é o tamanho das equipes estaduais, que contam com apenas sete a nove profissionais. O número é considerado insuficiente para atender à demanda, sobretudo em estados com grande extensão territorial ou elevada diversidade demográfica. É o caso da Bahia, que, segundo dados de julho deste ano do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, concentra 146 pessoas sob proteção.

Em resposta à reportagem, a pasta afirmou que, em 2025, as equipes estaduais do programa passaram a contar com 14 profissionais.

Outro entrave é que o programa ainda não foi convertido em texto legislativo, o que o torna vulnerável às mudanças de governo e compromete sua continuidade. “Desde o início, a gente reivindica um marco legal garantido em lei, porque o programa depende de decretos presidenciais para funcionar como uma política pública. Mas os decretos são um instrumento frágil porque depende necessariamente da boa vontade dos governos de plantão. É uma das lacunas”, afirma Antônio Neto.

Outros dados do dossiê

O documento também aponta que a maior parte do orçamento é destinada a despesas administrativas, como a manutenção das equipes técnicas responsáveis pela operação do programa. No Ceará, por exemplo, 74,76% do orçamento é voltado para gestão e manutenção da equipe técnica, enquanto somente 8,75% é direcionado ao atendimento e à proteção direta de defensores e defensoras de direitos humanos.

Paralelamente, dados do MDHC mostram que 1.414 pessoas vivem sob medidas de proteção por conta de ameaças relacionadas à defesa dos direitos humanos em todo o Brasil. Do total, 80% são lideranças que atuam em causas ligadas ao meio ambiente, à terra e ao território. Também estão incluídas pessoas envolvidas no combate ao racismo, à LGBTfobia e a outras formas de violação de direitos.

Especificamente, entre as pessoas protegidas estão indígenas, quilombolas, pescadores, ribeirinhos, integrantes de religiões de matriz africana, comunidades de fundos e fechos de pasto, localizadas no norte e oeste da Bahia, extrativistas e geraizeiros. Os perfis dos principais ameaçadores variam conforme a região, mas no geral são fazendeiros, garimpeiros, extrativistas ilegais, empresas, madeireiros, agentes de segurança pública e grileiros.

A maior concentração de pessoas protegidas está nos estados do Nordeste, com 532 casos, seguida pela região Norte, com 383. O Sudeste contabiliza 292 pessoas sob proteção, o Centro-Oeste, 106, e o Sul, 101. Considerando as unidades federativas, o Pará lidera com 162 casos, seguido pela Bahia (146), Maranhão (132), Minas Gerais (122), Ceará (117) e Amazonas (108).

Leia abaixo a nota completa do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania:

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) reafirma seu compromisso com a proteção de defensoras e defensores de direitos humanos, tendo a política como uma das prioridades da atual gestão. 

Somente em 2024, os recursos destinados à proteção de defensores, vítimas e testemunhas ameaçadas ultrapassaram R$ 47 milhões. Desse total, foram executados/empenhados R$ 46,9 milhões (99,83%), refletindo o compromisso desta Pasta em garantir a efetiva aplicação do orçamento destinado aos programas de proteção.

Já em relação ao exercício de 2023, do orçamento de R$ 44,5 milhões, R$ 44,4 milhões foram executados/empenhados (99,8%). 

Ressalta-se que a inscrição de parte do orçamento empenhado em Restos a Pagar é decorrente das peculiaridades da execução dos programas de proteção. Tais programas geralmente apresentam cronogramas de desembolso financeiro que perpassam o exercício em que os instrumentos foram firmados, conforme previsto nos respectivos planos de trabalho.

Sobre a estrutura do PPDDH, destaca-se que a alocação de recursos com equipes técnicas, como observado no Ceará, está diretamente relacionada à metodologia do Programa, que se baseia no acompanhamento constante dos protegidos e na articulação institucional. A presença de profissionais qualificados é fundamental para garantir a continuidade e a efetividade da proteção, especialmente em contextos complexos e com grande volume de casos. 

Em 2025, as equipes federais do Programa foram ampliadas e passaram a contar com cerca de 14 profissionais, com o objetivo de fortalecer atendimento, em especial, a estados com grandes extensões territoriais e maior diversidade demográfica. As formações em Direito, Psicologia e Serviço Social seguem como prioritárias.

Por fim, os dados apresentados no dossiê do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH) se baseiam em informações fornecidas pela própria Coordenação-Geral do Programa. Contudo, ao contrário da alegada redução, os dados oficiais indicam crescimento expressivo no número de atendimentos: de 591 casos, acompanhados em 2019, para 1.139, em 2024. Em 2025, esse número chegou a 1.444 casos, evidenciando a ampliação do alcance da política de proteção e o fortalecimento do atendimento a defensoras e defensores de direitos humanos em todo o país.

Editado por: Martina Medina/ Brasil de Fato