Organizações cobram proteção do Estado às defensoras e defensores de direitos humanos na OEA
Em audiência da CIDH, realizada nesta terça-feira (08), as organizações da sociedade civil denunciaram a omissão do Estado brasileiro na proteção aos defensores/as de direitos humanos e na resolução de casos como a execução de Marielle Franco e Anderson Gomes
Políticas públicas de estado que reduzam o alto número de assassinatos, ameaças e criminalização contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil, além de incidir na eliminação das causas dessa violência. Esse foi o pedido da sociedade civil perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA) nesta terça-feira (08), em Santo Domingo, na República Dominicana.
A audiência, convocada pela própria corte internacional, teve como objetivo debater sobre o cenário brasileiro de proteção às defensoras e defensores de direitos humanos no país, no contexto do bárbaro assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes ocorrido em 14 de março. Do outro lado, um Estado brasileiro cabisbaixo e que admitiu que sua política de proteção às defensoras e defensores de direitos humanos não é suficiente para garantir proteção à todas as pessoas em risco no país. Os órgãos públicos presentes na audiência também não relataram avanços nas investigações da execução de Marielle e Anderson.
“A audiência, que vinha sendo reivindicada pelas organizações que compõem o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos há muito tempo, foi uma oportunidade para que pudéssemos trazer todo o contexto de violência e criminalização sofrido por defensoras e defensores de direitos humanos. Estar num espaço como esse é importante porque o Estado brasileiro se vê obrigado a assumir posicionamentos e a verbalizar suas avaliações sobre as questões postas na pauta da audiência. Outra questão importante é que a audiência é uma forma de visibilizar nacionalmente e internacionalmente o contexto atual para a luta de defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil”, avalia a coordenadora da Terra de Direitos e de representante do Comitê Brasileiro na audiência, Luciana Pivato.
Investigação e proteção às/aos defensores
Para organizações sociais a execuçao da vereadora e defensora de direitos humanos é a expressão mais evidente da violência cometida pelos atores sociais que pretendem calar e intimidar todas pessoas que defendem os direitos humanos no Brasil.
Os relatores da CIDH presentes à audiência solicitaram aos representantes do Estado brasileiro informações sobre as investigações sobre a execução Marielle e Anderson. Também questionarem os representantes dos órgãos públicos sobre quais ações o governo brasileiro tem executado para mostrar à sociedade a importância da atuação de quem atua na defesa de direitos humanos.
A coordenadora da Justiça Global, Sandra Carvalho, destacou para a Corte as deficiências do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) que funciona em apenas quatros estados. Recentemente o Programa foi retomado no estado do Pará, campeão em mortes e ameaças contra defensoras e defensores. Ela ainda denunciou a impossibilidade de participação da ausência da sociedade civil nas decisões dessa política de proteção.
“ O programa nunca teve um marco legal que o concretizasse como uma política pública de Estado. Existe um Projeto de Lei (PL 4575/2009) que o normatiza e que está tramitando no Congresso Nacional desde 2009, sem que seja colocado em votação. Além disso, em abril de 2016, houve uma reformulação da norma que originou o Programa com a edição de novo Decreto, criando o Conselho do Programa Nacional, instância deliberativa, com funções como a de aceitar, negar ou excluir defensoras do atendimento. Porém, para espanto das organizações da sociedade civil, foram excluídas todas as formas de participação social na política de proteção”, denunciou a representante da Justiça Global.
Dados alarmantes
Os representantes da sociedade civil expuseram a gravidade da defesa dos direitos humanos no Brasil, destacando o aumento crescente do número de mortes de defensoras e defensores nos últimos anos. Em 2016, foram 66 assassinados e em 2017 esse número é ainda maior. Além disso, os representantes da sociedade civil denunciaram que o contexto de vulnerabilidade também se aplica a práticas de criminalização dos defensores, como a aplicação de novos dispositivos legais, como os previstos na lei sobre organizações criminosas, que levaram a prisão militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) dos estados de Goiás e do Paraná. Neste contexto, a sociedade civil ainda alertou para a tramitação no Congresso Nacional de, aproximadamente, dez projetos que tentam enquadrar manifestações populares como atos terroristas.
Para o representante da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), Victor De Wolf, a perseguição e assassinato de ativistas LGBTI não é uma novidade, seja na ditadura militar, seja nos períodos democráticos. Durante sua fala ele relembrou o nome de ativistas assassinados por sua orientação de gênero. Victor criticou o desmantelamento das poucas políticas públicas dirigidas à população LGBTI após a destituição da presidenta Dilma Rousseff (PT).
“Poucas vezes vimos tamanha omissão do estado brasileiro para o enfrentamento da violência e da perseguição aos ativistas dos direitos humanos e, em especial, aos LGBTs. Há 10 anos o Governo do Rio, em parceria com o governo federal, era pioneiro no país, criando o Rio sem Homofobia, os Centros de Referência LGBT e auxiliando na conquista da União Civil. Hoje todos os Centros de Referência estão fechados e não há nenhuma política sendo executada”, criticou ele.
Encerrando a participação da sociedade civil na audiência, arquiteta Mônica Benício, companheira de Marielle Franco, relembrou a amplitude da luta que o mandato da vereadora mais votada do Rio de Janeiro carregava. Uma luta que era das mulheres, da população negra, da comunidade LGBT, da juventude negra, das periferias, e pela defesa dos direitos humanos. Mônica reforçou que o mandato de Marielle era, em todos os sentidos, um corpo político de enfrentamento em uma Casa Legislativa predominantemente masculina, dominada pelo conservadorismo, fanatismo religioso, machismo e racismo.
“Hoje viemos aqui para reafirmar que a execução de Marielle não será instrumentalizada para o recrudescimento das bárbaras políticas que a executaram. Não toleraremos nem mais um dia a falsa narrativa da guerra às drogas, do confronto armado, que escondem o profundo comprometimento dos agentes de Estado na perpetuação de arranjos lucrativos do tráfico de drogas e de armas. Marielle está em cada corpo negro que tomba sob a lógica perversa de uma política de insegurança militarizada e genocida”, enfatizou Mônica.
Pedidos e recomendações
Ao final, a delegação brasileira da sociedade civil apresentou alguns pedidos e recomendações que poderão auxiliar na resolução do caso da execução de Marielle e Anderson, bem como na redução da violência contra defensoras e defensoras de direitos humanos. Dentre eles, a antecipação para o primeiro semestre de 2018, da visita de trabalho ao Brasil, da relatora do Brasil na CIDH da OEA, a chilena Antonia Urrejola. A visita está prevista para o mês de novembro. Como recomendação, a adoção de medidas urgentes para investigação e responsabilização dos atores responsáveis pelas mortes, ameaças e demais atos de violência contra defensoras(es) de direitos humanos, entre estas o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes