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Massacre de Pau D’arco: 5 anos de impunidade

  • Date : 24 de maio de 2022

“Ainda que as pessoas se calem as pedras clamarão por justiça.”

Nesta terça-feira, 24 de maio de 2022, completam-se cinco anos do Massacre de Pau D’arco quando 10 trabalhadores, nove homens e uma mulher, sem nenhuma chance de defesa, foram assassinados por policiais civis e militares no interior da Fazenda Santa Lúcia, localizada no município de Pau D’arco, Estado do Pará.  São cinco anos de mais uma mancha de sangue na história deste Estado. São cinco anos em que famílias ainda esperam justiça sem nenhuma reposta. Cinco anos de lembranças dolorosas para aqueles que sobreviveram aquele dia. Cinco anos em que as famílias do Acampamento Jane Júlia convivem com o medo e com a incerteza. São cinco anos de impunidade!

Naquele 24 de maio de 2017, policiais civis e militares se deslocaram até o Acampamento Jane Júlia (que era na época conhecido como Acampamento Nova Vida) para cumprir 14 mandados de prisão preventiva e temporária, porém, não houveram prisões, houveram execuções. Os 9 trabalhadores rurais e a mulher líder da ocupação, foram perseguidos, humilhados, torturados e mortos a sangue frio por agentes de segurança pública do Estado do Pará.

Após as investigações realizadas pela Polícia Federal, o Ministério Público do Estado do Pará ofereceu denúncia contra 17 policiais pela prática dos crimes de homicídio, tortura, associação criminosa e fraude processual. A sentença no processo criminal pronunciou 16 policiais ao Tribunal do Júri, mas o julgamento ainda não tem data para ser realizado, pois aguarda-se análise de uma série de recursos interpostos pelas partes. Os policiais denunciados aguardam julgamento em liberdade, exercendo normalmente suas funções na região. O inquérito que investigava os mandantes do crime foi inconclusivo e arquivado pela Polícia Federal.

A morosidade da justiça, a falta de respostas e de políticas de segurança pública capazes de garantir proteção às testemunhas, geram outras perdas inimagináveis aos familiares das vítimas e aos sobreviventes do massacre.

Fernando dos Santos Araújo, 38 anos, homem gay e camponês, era um desses sobreviventes que por muitas vezes sentiu na pele o quão difícil era lidar com as consequências da violência e com a sensação de impunidade. Vítima de tentativa de assassinato em setembro de 2020, ele foi duas vezes sobrevivente. Poucos meses depois, na noite do dia 26 de janeiro de 2021, Fernando foi morto com um tiro na nuca dentro de sua casa, no Acampamento Jane Júlia. Após 11 meses, as investigações sobre a morte de Fernando foram encerradas, porém, sem todas as respostas esperadas, uma vez que apenas o executor do crime foi identificado. A causa e os mandantes do assassinato não foram identificados pela polícia.

As consequências do massacre também marcaram,  e ainda marcam, a história de luta pela terra das famílias que atualmente ocupam a Fazenda Santa Lúcia. A área está ocupada por 200 famílias de trabalhadores/as rurais que se encontram na mesma situação de  outras 132.291 famílias no Brasil, sob o eminente risco de despejo, amparadas unicamente pela decisão do STF na ADPF 828/2021, a qual suspendeu os despejos judiciais em áreas urbanas e rurais até 30 de junho deste ano. A liminar de reintegração de posse sob a área da fazenda Santa Lúcia foi revigorada em junho de 2019, diante da afirmação do INCRA de que não tem recursos para aquisição de áreas para assentamento.

O Massacre de Pau D’arco não foi o único episódio de violência e violação da dignidade humana no Pará. Nas últimas quatro décadas a CPT registrou 29 massacres com 152 vítimas somente neste Estado. Além disso, quando olhamos o cenário nacional os dados revelados pela CPT demonstram que nos últimos 10 anos (2011 a 2021) foram mais de 7 mil conflitos registrados, 100 mil famílias afetadas e 35 assassinatos em conflitos no campo somente no ano de 2021.

Nesta data nos unimos para lembrar que estes dados não são apenas números, e os 10 trabalhadores/as assassinados no dia 24 de maio de 2017 não são as únicas vítimas da violência policial. Nos unimos às vozes dos familiares que ainda sofrem pela perda de seus entes, aos sobreviventes que carregam consigo as dores e lembranças daquele dia sangrento. Nos unimos as 200 famílias da Fazenda Santa Lúcia que através de sua luta diária demonstram que a terra é fonte de vida e não de morte e que lutam pela reforma agrária, e a tantas outras vozes que neste dia clamam pelo fim da impunidade, pelo basta da violência no campo. Nos unimos ao clamor de Fernando e mais uma vez exigimos: Justiça para Pau D’arco!

Jane Júlia de Oliveira, Presente!

 Oseir Rodrigues da Silva, Presente!

Nelson Souza Milhomem, Presente!

Wedson Pereira da Silva, Presente!

Weclebson Pereira Milhomem, Presente!

Bruno Henrique Pereira Gomes, Presente!

Hércules Santos de Oliveira, Presente!

Regivaldo Pereira da Silva, Presente!

Ronaldo Pereira de Souza, Presente!

Antônio Pereira Milhomem, Presente!

Fernando dos Santos Araújo, Presente!

Rosenildo Pereira de Almeida, Presente!

Pau D’arco/PA, 24 de maio de 2022.

Assinam a nota:

Comissão Pastoral da Terra – Regional Pará.

Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH)

Comissão de Direitos Humanos da OAB/PA.

Comissão de Direitos Humanos da OAB Subseção Xinguara/PA.

Sociedade Maranhense de Direitos Humanos – SMDH.

Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH

Fórum Grita Baixada – Rio de Janeiro.

Justiça Global.

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST.

Iniciativa Direito e Memória.

Iniciativa Justiça Racial.

Instituto Direitos Humanos.

Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino.

Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – RENAP.

Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Nova Vitória.

Famílias do Acampamento Jane Júlia.

Instituto Zé Cláudio e Maria – IZM.

Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH Brasil.

Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares.

Centro dos Direitos Humanos de Nova Iguaçu.

Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB

Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM

Terra de Direitos.