“As pessoas defensoras de direitos humanos estão sob extrema ameaça no Brasil”,
O Brasil precisa priorizar a demarcação e titulação de terras. Essa é a principal recomendação preliminar da Relatora Especial das Nações Unidas sobre a situação das pessoas defensoras de direitos humanos, Mary Lawlor, em entrevista à imprensa, nesta sexta (19/04), em Brasília. A questão da terra e território foi diagnosticada como a maior causa da maioria dos ataques contra defensoras e defensores de direitos humanos.
“Durante a minha visita, ouvi repetidamente de defensores e defensoras que sobreviveram a tentativas de assassinato, que foram baleadas, tiveram suas casas cercadas, sofreram ameaças de morte. Ouvi pessoas defensoras que assistiram o seu trabalho ser criminalizado“, disse a Relatora Especial da ONU.
E concluiu: “O Governo terá de mostrar que a proteção das pessoas defensoras de direitos humanos e o combate às causas profundas da sua insegurança é uma prioridade, tal como garante”. Para ela, “Pessoas defensoras de direitos humanos estão sob extrema ameaça no Brasil. O Governo Federal tem consciência disso, porém até agora não conseguiu implementar as estruturas necessárias para proteger defensoras e defensores e combater as causas dos riscos que enfrentam”.
Entre as preocupações elencadas pela relatora está o alto risco que as mulheres defensoras de direitos humanos correm no país. “Mulheres indígenas, mulheres quilombolas e trabalhadoras rurais estão liderando os movimentos para que os direitos sejam respeitados em suas comunidades. Contaram-me como seguem os passos de suas mães, avós e das bisavós. Os riscos que correm por fazer isso são imensos. As suas famílias e filhos são alvejadas. Sofrem abusos e assédio sexual. Estou extremamente preocupada com a situação delas no Brasil”, afirmou a relatora. Mary Lawlor.
Inadequado ao propósito: PPDDH
Mary Lawlor foi taxativa ao afirmar que existe uma “impunidade endêmica” no Brasil e que há falhas no mecanismo de proteção, o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas, citando que o PPDDH “parece ser inadequado para o propósito e precisa de uma reforma radical e ampliado”.
“Um advogado indígena e defensor de direitos humanos me explicou assim: ‘fui incorporado ao programa há três anos, mas demorou três anos para que eles entrassem em contato comigo’. Uma líder indígena disse o seguinte: ‘estou sob o mecanismo de proteção, mas não o entendo’. Mãe Bernadete, líder Quilombola da comunidade Quilombola de Pitanga dos Palmares, foi assassinada em sua casa em 17 de agosto de 2023, apesar de ter sido incluída no mecanismo de proteção. Muitos outros foram atacados, apesar de, em teoria, estarem sob proteção”.
Para ela, o mecanismo de proteção, estabelecido não por uma legislação, mas por Decreto Presidencial, atualmente não consegue fornecer o apoio que as pessoas defensoras de direitos humanos precisam e estão pedindo. Apesar de “essencial”, nas palavras dela, o PPDDH “precisa ser reformulado”.
“[o programa] Depende muito de medidas de proteção das forças policiais a nível local, que em muitos casos são a fonte da insegurança dos defensores e defensoras em primeiro lugar. Há zero ou muito pouco apoio à saúde mental. Há também uma grande disparidade no nível de proteção oferecido entre os estados e muita ênfase na remoção de defensores de suas comunidades”.
Neste contexto, a Relatora Especial da ONU reconheceu que, o trabalho realizado no âmbito do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania através do Grupo de Trabalho Técnico Sales Pimenta – está focado especificamente no desenvolvimento de um plano nacional e no projeto de legislação sobre os próprios defensores dos direitos humanos – foi visto como “positivo e necessário”. Uma vez que raramente as políticas que estão sendo desenvolvidas pelo Governo Federal, são levantadas pelos defensores dos direitos humanos.
Porém, ela foi taxativa que a criação do Grupo de Trabalho somente não basta. “O GT precisa ter um orçamento adequado para que consiga desenvolver aquilo que foi encarregado de fazer e deve contar com a participação genuína de todos os ministérios relevantes, bem como dos próprios defensores dos direitos humanos que estão em risco. Em suma, precisa ser politicamente priorizado e devidamente financiado”.
Entre as três recomendações urgentes feita pela Relatora ao Governo Brasileiro está a garantia de “orçamento suficiente disponível para permitir que o Grupo de Trabalho Sales Pimenta cumpra seu mandato e conclua seu trabalho o mais rápido possível, inclusive ouvindo diretamente as pessoas defensoras de direitos humanos que estão em risco”.
A questão orçamentária do PPDDH e GTT Sales Pimenta, é um dos pontos da Carta Pública, entregue pelo Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, a Relatoria Especial da ONU. Leia na integra aqui.
Para Lawlor, a participação da sociedade civil deve ser solidificada e expandida com aplicação de recursos adequados para “garantir a escuta das vozes dos mais marginalizados, em risco e negligenciados”. Inclusive, citou relatos ouvidos em aldeias e quilombos visitados no Brasil: “muitos dos defensores com quem falei, em particular nas zonas rurais, pediram que eu levasse as suas mensagens ao conhecimento do Governo, as suas “mensagens de resistência”, como as chamavam”.
Empresas Privadas e Marco Temporal
Para a especialista da ONU, as empresas e os mercados desempenham um papel marcante impulsionando os conflitos, que colocam em risco aquelas e aqueles que defendem os direitos humanos, além de criticar diretamente a tese do Marco Temporal.
“A terra está no centro da luta dos povos tradicionais no Brasil. A terra, como me disseram, é a chave para a sobrevivência deles. E há aqueles que procurariam eliminá-los em nome do lucro e do ganho pessoal. A tese marco temporal é uma anunciação disso, assim como o assassinato de lideranças quilombolas e a imposição de minas e monoculturas nas terras utilizadas pelas comunidades tradicionais, o envenenamento de rios de comunidades ribeirinhas, o deslocamento forçado de comunidades já historicamente deslocadas”.
Ela citou o plantio da soja como exemplo, mas destacou que as plantações de eucaliptos, pinus ou milhos, além da interferência da indústria madeireira, o ouro ou bauxita na mineração. Algumas pessoas chamariam isso de investimento bem-vindo, outras de desenvolvimento, mas a realidade é que essas são representações de práticas extrativistas, neocoloniais, de economia predatória e capitalista que oferecem pouco ou nada à população local e rasgam o tecido social das comunidades afetadas”, opinou.
Criminalização de defensoras e defensores
A Relatora Especial das Nações Unidas também apontou que nas áreas urbanas, pessoas defensoras de direitos humanos são atacadas, difamadas e muito criminalizadas, especificamente as mulheres negras defensoras dos direitos humanos, jornalistas, comunicadoras e advogadas populares e trabalhadores sociais e da cultura.
“Associar pessoas defensoras de direitos humanos a criminosos, algo feito constantemente pelas autoridades locais – em particular defensoras e defensores que fazem parte de movimentos sociais e apoiam os mais vulneráveis da sociedade – é um problema claro e tem que acabar”.
Recomendações às autoridades Brasileiras
No comunicado, a mandatária fez uma série de recomendações preliminares, parte delas endereçadas diretamente ao Presidente Lula, e a diversos Ministérios de Estado, dentre eles: o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). O relatório final da visita será apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em março de 2025, durante a 58ª sessão ordinária.
Além da garantia de orçamento para desenvolvimento da construção urgente do Plano Nacional de Proteção Para Pessoas Defensoras de Direitos Humanos através do GTT Sales Pimenta, Mary Lawlor, fez outras duas recomendações urgentes ao Governo Federal.
“Considerar todas as possibilidades de garantir urgentemente direitos sobre seu território para todos os povos indígenas e quilombolas do país, em especial por meio da demarcação e titulação, e da remoção de invasores” e “Priorizar, sem mais delongas, a ratificação do Acordo de Escazú”.
Sobre a especialista
Mary Lawlor é a Relatora Especial sobre a situação de pessoas defensoras de direitos humanos. Relatores Especiais fazem parte do que é conhecido como a estrutura de Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos. Procedimentos Especiais, o maior órgão de especialistas independentes no sistema de Direitos Humanos da ONU, é o nome geral dos mecanismos independentes de avaliação e monitoramento.