O conflito na região se intensificou em junho deste ano e, em setembro, em um intervalo de cinco dias, a comunidade indígena foi vítima de ataque de pistoleiros
Por Assessoria de Comunicação
O Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, coalizão que reúne 45 organizações e movimentos sociais, participou da missão emergencial em conjunto com o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) para verificar violações a direitos humanos ao território indígena do povo Pataxó, localizado no extremo sul da Bahia. A missão emergencial realizada entre os dias 15 a 17 de outubro atendeu a um pedido do Comitê Brasileiro que, através de ofício enviado ao CNDH, expressou: “preocupação sobre a situação do povo Pataxó”, que encontra-se em áreas retomadas em diversos territórios ao,, sul do estado da Bahia, solicitando o envio da missão emergencial.
O conflito na região se intensificou em junho deste ano e, em setembro, em um intervalo de cinco dias, a comunidade indígena foi vítima de ataque de pistoleiros, que invadiram o território indígena, de acordo com denúncia feita pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Gustavo Conceição da Silva, um adolescente de 14 anos, foi assassinado em um atentado de pistoleiros no dia 4 de setembro. Dias antes da sua morte, o menino tinha publicado nas redes sociais uma foto em que segurava um cartaz escrito: “os Pataxó pede socorro”.
Nos últimos quatro meses, o Comitê Brasileiro, recebeu reiteradas denúncias de violências e ameaças e violações de direitos humanos do povo Pataxó, com a instalação de um cenário de conflitos graves a partir da retomada do território pelos indígenas, que encontram resistências de fazendeiros locais. Em virtude da violência, foi constituída uma Força Tarefa na região para monitorar os conflitos e proteger as ameaças à integridade física. Recentemente, a Polícia Federal também começou a investigar os ataques aos indígenas e o envolvimento de poderes locais, em uma operação que corre em sigilo, dando suporte à investigação das violações no caso.
A missão emergencial foi deliberada na última reunião plenária do CNDH, conforme disposto na Resolução nº 26, de 6 de outubro de 2022, sendo composta pela Defensoria Pública da União, Apib, Comitê, Conselho Nacional do Ministério Público, além equipe designada pelo CNDH, a delegação contou também com a participação da Defensoria Pública da Bahia e a Ouvidoria Externa. O sindicato dos professores da Universidade do Estado da Bahia (ADUNEB) e estudantes da UNEB e UFBA também participaram da Caravana Intercultural Indígena: “Abrace os Pataxó das TIs”, além da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e Sindicato dos Jornalistas da Bahia que acompanhou a missão e fez registros.
O objetivo da missão e caravana é prestar solidariedade ao povo Pataxó. Sobretudo, coletar depoimentos e testemunhos referente às violações de direitos humanos no território, tendo como problemática central a morosidade da demarcação do território e o cenário de violência nos conflitos com os latifundiários da região. A previsão é que os participantes concluam o relatório sobre a missão em até 60 dias e outras atividades possam dar sequência ao monitoramento das violações no território.
A Missão
Em depoimento a delegação, uma das lideranças indígenas da Aldeia Nova, questionou: “Nós não temos nada a ver com a venda de nossas terras, porque temos que sofrer com os fazendeiros que compraram essas terras, a região é nossa?”.
Um dos caciques da Aldeia Boca da Mata, presente na visita da delegação, ressaltou que o povo Pataxó foi o primeiro povo indígena a ter contato com o colonizador Pedro Álvarez Cabral. Porém, “até hoje não tivemos nosso território demarcado”. E completou: “De lá para cá, não mudou muita coisa. Somos os últimos a ter nossos direitos respeitados da Constituição”.
Já o Pajé de Boca da Mata, reclama que: “as pessoas invadem nossas terras, sem regras para vir para cá, falam em nome do dinheiro”, mas que não tem ligação com o território: ” eu tenho minha raiz no Brasil, e essa gente cadê a sua raiz?”.
O processo de demarcação do território indígena do Povo está parado na Funai. Por isso, o povo Pataxó iniciou uma retomada do território. A mobilização indígena tem sido confrontada pelos interesses locais nas terras, seja para plantação de eucalipto, criação de gado e avanço do turismo, assim ataques às comunidades têm sido organizados, que, conforme relatos da missão, são marcados pelo porte de armas de alto calibre, como fuzis.
Esse cenário tem caracterizado a formação de milícias privadas para expulsar os indígenas de suas terras. No judiciário tramitam diversas ações de reintegração de posse, que se encontram suspensas em razão da decisão do STF de suspensão dos despejos na pandemia, bem como pelo entendimento de uma das magistradas de tratar-se de território indígena.
O conflito de terras em territórios indígenas é um problema antigo e coletivo na região. É ocasionado pela falta de demarcação de terras e reconhecimento dos direitos dos povos indígenas. Porém, nos últimos quatro anos, com a precarização de políticas públicas sociais do governo Bolsonaro – e a facilitação de compra e venda de armas – a situação piorou. A isso se soma a precarização da FUNAI, que reflete diretamente no atendimento dos indígenas no território.
O contexto de conflitos vem ano após ano criando um clima tenso que ameaça a vida de defensoras e defensores de direitos humanos indígenas. Parte das lideranças ameaçadas foram incluídas no programa de proteção estadual de ddhs. Porém, ainda há lideranças que aguardam resposta do pedido feito ao Governo Federal para serem incluídas no PNPDDH.
Para o Comitê, é urgente que todas as lideranças recebam apoio do governo federal e que as demarcação dos territórios indígenas sejam retomados por parte do governo para cessão das viações de direitos humanos e prevenção de outras mortes na região.
A Missão emergencial do CNDH em conjunto com o Comitê começou no dia 15 de outubro com a chegada da caravana em Comexatibá e, posteriormente, no Vale do Cahy, território onde o adolescente de 14 anos foi morto. Já no dia 16, a delegação esteve no Monte Pascoal, seguindo para Teixeira de Freitas. No último dia da missão, professores da UNEB realizaram uma aula pública, na qual o Comitê pôde explicar sobre a composição da política pública de proteção aos defensores e defensoras.
Essa foi apenas uma das iniciativas do processo que se constituiu para assegurar a proteção à integridade física das lideranças indígenas Pataxó e o avanço da demarcação de seus territórios. Na sequência estão previstas reuniões de alinhamento entre Instituições de Justiça e indígenas para a retomada do processo demarcatório junto a Funai, a organização pela Defensoria Pública de um mutirão itinerante para assegurar a efetivação de outros direitos, o monitoramento do andamento do acesso aos programas de proteção e da atuação das forças de segurança pública, bem como atividades de incidência internacional.
O Comitê seguirá na composição da Rede de Apoio, somando-se às atividades previstas ainda para esse ano.
Histórico de ataques
De acordo com nota pública do CNDH, o Conselho vem recebendo denúncias sobre violência na região do extremo sul da Bahia desde 2020, o que motivou a solicitação de informações a autoridades e manifestação de preocupação por parte do conselho. No entanto, desde junho, os casos de violência aceleraram.
Neste processo, o CNDH promoveu reunião interinstitucional para tratar da proteção ao povo Pataxó em área de retomada próxima à Barra do Cahy, no Território Indígena Comexatibá, município de Prado. O objetivo foi reunir representantes de movimentos indígenas e autoridades para buscar uma solução para implementar a presença urgente e coordenada de forças de segurança na região, com desarticulação de milícias, evitando que houvesse uma escalada maior da violência e mais mortes. No entanto, a presença da força tarefa de segurança não intimidou a ação da milícia local.
O CNDH também recebeu, em Brasília, representantes de diversas etnias indígenas, como Pataxó, Gamela e Xacriabá, que relatam uma série de violências que têm enfrentado pela falta de demarcação de terras ocupadas, como massacres, tiroteios e ameaças de morte, além de miséria.
O CNDH, com apoio do Comitê, solicitou então ao Ministério Público da Bahia, Ministério Público Federal e Polícia Federal a adoção de medidas urgentes para a segurança do povo Pataxó nas Terras Indígenas Comexatibá e Barra Velha.