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CIDH emite medida cautelar para proteger povo Pataxó após pedidos de organizações de direitos humanos

  • Date : 15 de maio de 2023

Os povos Pataxó do extremo sul da Bahia enfrentam “grave risco” diante de um cenário de “violência continuada”. Com base nessa avaliação, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), emitiu medida cautelar ordenando que o país adote providências para proteção dessas populações. Os povos Pataxó do extremo sul da Bahia enfrentam “grave risco” diante de um cenário de “violência continuada”. Com base nessa avaliação, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), emitiu medida cautelar ordenando que o país adote providências para proteção dessas populações.

 

Missão de direitos humanos no território Pataxó, em outubro de 2022. Foto: ABI

“Após analisar as alegações de fato e de direito apresentadas pelas partes, a Comissão considera que as informações apresentadas demonstram prima facie que os membros do Povo Indígena Pataxó localizado nas Terras Indígenas Barra Velha e Comexatibá no estado da Bahia se encontram em uma situação de gravidade e urgência, posto que seus direitos à vida e à integridade pessoal correm grave risco”.

Em consequência, de acordo com o artigo 25 do Regulamento da CIDH, foi solicitado ao governo do Brasil que:

1) Adote as medidas necessárias para proteger a vida e a integridade pessoal dos membros do Povo Indígena Pataxó conforme identificados, inclusive de atos perpetrados por terceiros, levando em consideração a pertinência cultural das medidas adotadas;

2) Coordene as medidas a serem adotadas com as pessoas beneficiárias e seus representantes;

3) Informe sobre as ações adotadas para a investigação dos fatos que motivaram a adoção desta medida cautelar e, assim, evitar sua repetição.

Povos originários

As Terras Indígenas (TIs) Barra Velha e Comexatibá estão localizadas  nos municípios de Porto Seguro, Itamajuru, Itabela e Prado, na Bahia. Os povos indígenas do local somam cerca de 12 mil pessoas, distribuídas em 29 comunidades. Cada comunidade está em uma etapa diferente na demarcação de suas terras; algumas já estão consolidadas.

O povo Pataxó enfrenta situação de risco, segundo as entidades da sociedade civil que acionaram a CIDH, pois mesmo essas comunidades já consolidadas, como a Aldeia Nova, têm sido alvo de ataques. As Comunidades Boca da Mata e Cassiana, na TI Barra Velha, que são alvo de maiores conflitos, servem de entrada para o território, afetando a circulação, o acesso a alimentos e ao rio, e a saúde de todo o povo no território.

De acordo com as entidades, o povo Pataxó vem enfrentando um cenário de “violência continuada” desde junho de 2022, quando os indígenas iniciaram um processo de retomada e “autodemarcação”, já que “todos os processos de demarcação e regularização das TI foram suspensos, perpetuando/gerando imensos prejuízos e violações dos direitos indígenas no Brasil”.

Gustavo Pataxó, adolescente de 14 anos assassinado por pistoleiros em 4 de setembro de 2022

Como consequência, passaram a sofrer retaliações por meio de ameaças, cercos armados, tiroteios, difamação e campanhas de desinformação, culminando em três assassinatos de indígenas, segundo as últimas informações disponíveis.

A alegada situação de risco, observa a CIDH, seria perpetrada por “fazendeiros e milicianos” e se caracterizaria “por ações extrajudiciais com graves consequências aos direitos humanos do Povo Pataxó”.

Segundo as lideranças dos Pataxós, há envolvimento direto de forças de segurança do Estado em episódios de violência; policiais “fariam serviços particulares de forma ostensiva para os fazendeiros”, “em todas as sedes de fazendas, agrupados e fiscalizando todos que passam pela região, parando as pessoas nas estradas, entrando em ônibus de linha, parando carros e tendo atitudes grotescas totalmente fora da lei, infringindo inclusive o direito de ir e vir”.

O que diz a União

O governo federal, por sua vez, alegou que não havia justificativa para concessão da cautelar, uma vez que o Estado “tem atuado para acabar com a situação de conflito envolvendo os povos indígenas localizados no sul da Bahia”.

A defesa citou normas de proteção aos povos indígenas e as regras para demarcação de TIs no Brasil, além de lembrar o processo histórico da demarcação da TI Barra Velha. Desde a demarcação, na década de 1980, a área vem sendo alvo de questionamentos judiciais.

A TI Barra Velha foi demarcada com 8.627 hectares; no entanto, grande parte do território de ocupação tradicional Pataxó ficou de fora dessa demarcação. Assim, em 2009, a Funai publicou novo relatório circunstanciado de identificação da área, baseado em estudos comprovatórios. A demarcação revisada recebeu o nome de TI Barra Velha do Monte Pascoal, sendo corrigidos os limites do território, que passou a possuir 52.748 hectares.

Já em 2013, um grupo de produtores rurais e o Sindicato Rural de Porto Seguro ingressaram com seis mandados de segurança no Superior Tribunal de Justiça solicitando que se impedisse a publicação da Portaria Declaratória da área pelo Ministério da Justiça — que seria a etapa seguinte do processo demarcatório. O STJ atendeu de forma liminar ao pedido, barrando o andamento do processo administrativo de demarcação do território Pataxó.

Seis anos depois, em 2019, o STJ derrubou a liminar, por unanimidade, e reconheceu, em decisão de mérito, a legitimidade e a validade da demarcação da TI.

Por outro lado, continua a defesa do governo federal, o adiamento, por parte do STF, do julgamento a respeito da tese do marco temporal das terras indígenas, “ensejou a paralisação dos processos administrativos de demarcação e o consequente avanço dos conflitos”.

Segundo o Estado, a situação alegada pelas entidades teria se intensificado a partir de junho de 2022, “quando iniciou a mobilização nacional em Territórios Indígenas, que pede ao STF que retome a análise do julgamento do Marco Temporal”.

O Estado apontou ainda que, a partir de janeiro de 2023, “a estrutura ministerial passou a ser integrada, pela primeira vez na história pátria, pelo Ministério dos Povos Indígenas”, responsável pela instituição do Gabinete de Crise em 18 de janeiro de 2023, alterado para incluir os membros do Povo Pataxó, e pelo acionamento da Polícia Federal, que, a partir de fevereiro de 2023, passou a integrar a Força Integrada.

Grave risco
A Comissão da CIDH que definiu a medida cautelar em favor dos Pataxó em reunião no fim de abril advertiu sobre a seriedade dos episódios de violência apontados na inicial, vários dos quais foram confirmados pela própria comunicação estatal.

Assembleia indígena durante missão de direitos humanos no território Pataxó, em outubro de 2022. Foto: ABI

Os ataques foram ainda mais graves por envolver grande quantidade de pessoas armadas, portando gás lacrimogêneo e disparando com frequência — cerca de 200 “fazendeiros, pistoleiros, milicianos e supostos policiais militares” atuaram em um dos episódios. O fato de grande parte dos responsáveis pelos ataques fazerem parte do aparato estatal de segurança pública acrescenta gravidade à situação.

Nesse cenário, a Comissão observa que danos irreparáveis já se teriam concretizado, como assassinato de três membros do povo indígena Pataxó nos últimos meses: Samuel Cristiano do Amor Divino Braz, 25 anos, Nauí Brito de Jesus, 16 anos e Gustavos Pataxó, 14 anos, além de outro jovem ter sido ferido por disparo de arma de fogo.

A CIDH também aponta que a situação dos Pataxó se insere em um contexto de animosidade, que estimularia “cada vez mais raiva contra os indígenas”.

Apesar dos percalços, o órgão reconheceu os esforços do governo por meio da criação do Ministério dos Povos Indígenas e a mobilização interna do governo para a resolução do problema, em particular pela identificação de suspeitos dos assassinatos dos três jovens Pataxós, recordando a relevância das ações de investigação e sanção de responsáveis para a mitigação de situações de risco.

Acionaram a CIDH: Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib); Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste; Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme); Associação de Advogados(as) de Trabalhadores(as) Rurais (AATR); Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos; Conectas Direitos Humanos; Conselho Indigenista Missionário (Cimi); Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos; Instituto Hori Educação e Cultura; e Justiça Global e a Terra de Direitos.

Fonte:  Consultor Jurídico, reportagem de Eduardo Reina.