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Centenas de famílias camponesas resistem a despejo violento em Rondônia

  • Date : 26 de outubro de 2021

Despejo foi interrompido na última sexta-feira (23) após liminar expedida por ministra do STF, mas forças policiais permanecem no local

Por Filipe Cabral, Repórter Agência Brasil

Cerca de 800 famílias dos acampamentos “Tiago Campin dos Santos” e “Ademar Ferreira” lutam para permanecer no território (Fonte: Movimentos Sociais)

Desde a última terça-feira (19), cerca de 800 famílias dos acampamentos “Tiago Campin dos Santos” e “Ademar Ferreira” lutam contra a tentativa de despejo realizada pela Polícia Militar de Rondônia (PMRO) em parceria com a Força Nacional de Segurança Pública através da “Operação Nova Mutum”. A incursão das forças de segurança foi oficialmente interrompida na última sexta-feira (23) após a 7ª Vara Cível da Comarca de Porto Velho confirmar a liminar expedida no dia anterior pela ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinava a suspensão imediata da ordem de reintegração de posse.

De acordo com a decisão da ministra, a operação desrespeita a medida cautelar da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, que condiciona as remoções durante a pandemia à realocação das famílias em condições dignas e sanitariamente adequadas.

Em coletiva de imprensa realizada na sexta-feira, o coronel da PMRO, Alexandre Luis de Freitas Almeida, informou que acataria a decisão da ministra, mas que o estado tentaria reverter a ordem judicial.

De acordo com a advogada popular e integrante da Associação Brasileira dos Advogados do Povo (Abrapo), Lenir Correia Coelho, mesmo após a suspensão da reintegração de posse, a Polícia Militar segue com uma base de operação na área dos acampamentos.

“Eles disseram que vão deixar as pessoas entrar e sair, mas todos serão identificados e revistados. Acontece que, na prática, eles não têm deixado entrar de jeito nenhum o pessoal que saiu. Ou seja, sob o argumento de que não vão tirar ninguém, eles mantêm uma base lá dentro para identificar e criminalizar as pessoas. Isso é fato concreto”, explica.

A operação tinha como objetivo cumprir mandados de reintegração de posse em oito fazendas localizadas em Nova Mutum Paraná, distrito de Porto Velho. Logo no primeiro dia, cerca de 300 pessoas chegaram a ser removidas de suas casas por agentes das forças de segurança e levadas para a Escola Santa Luzia, na Vila da Penha, localidade a 220 quilômetros da capital.

Assistência

Os acampamentos são organizados pela Liga dos Camponeses Pobres (LCP).  Além da violência promovida pelos policiais durante a tentativa de despejo, os camponeses e organizações sociais têm denunciado também a falta de assistência do Estado às famílias que foram retiradas de suas casas.

Segundo a Abrapo, nenhuma assistência social foi prestada às famílias desalojadas por parte dos governos estadual e municipal. Inclusive, de acordo com a associação, as famílias encaminhadas à Escola Santa Luzia teriam sido impedidas de usar as instalações da unidade para cozinhar. Em video publicado nas redes sociais, uma camponesa se desespera sobre a situação:

“As crianças estão com fome. Isso é irresponsabilidade do Estado. Criança com malária, pai de família com malária e o Estado traz a gente pra um lugar desse aqui que nem comida tem”, protesta.

No segundo dia da “Operação Nova Mutum”, o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH) emitiu uma nota pública repudiando a ação do governo de Rondônia e ressaltando que: “o fato de despejos terem acontecido à noite e sem a presença de um oficial de justiça, sem assistência social, alimentar e de abrigos para as famílias, é uma grave violação de direitos humanos do Estado”.

O Comitê também enviou um ofício para o Coronel Marcos Rocha, governador do estado de Rondônia, no qual manifesta “preocupação sobre as denúncias recebidas de violações de Direitos Humanos que ocorreram na reintegração de posse em Nova Mutum” e solicita informações sobre as medidas adotadas para a garantia de moradia para as famílias despejadas. De acordo com o Comitê, até o momento não houve nenhuma resposta oficial do Estado.

Em depoimento ao portal G1, a PMRO informou que a Defensoria, psicólogos e médicos PM’s teriam acompanhado a operação e dado suporte às famílias alojadas na escola.

Sobre a permanência de bases policiais no território dos acampamentos “Tiago Campin dos Santos” e “Ademar Ferreira”, a assessoria da corporação declarou em nota que “desconhece qualquer fato de violência física por parte dos integrantes da “Operação Nova Mutum” contra os invasores da região e moradores locais” e que “até o presente momento, todos os contatos com os invasores estão sendo realizados de forma pacífica e sem truculência, respeitando a dignidade da pessoa humana, sem uso da força”.