No último dia do Encontro Nacional, as organizações presentes ao evento reforçam compromisso social da articulação com a proteção de defensores e a luta a favor dos direitos humanos no Brasil
Em carta aberta, a plenária final do 5º Encontro Nacional do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, alerta a sociedade sobre o aumento dos conflitos sociais no campo e nas cidades, ressaltando que: no intervalo de apenas três dias durante a realização do evento, o Estado brasileiro através das suas forças policiais, foi 0 responsável pelas mortes de 24 pessoas, no Rio de Janeiro, e de Genivaldo dos Santos, no Sergipe.
A carta foi construída coletivamente pela plenária final do encontro no dia 27 de maio.
Lei na íntegra abaixo:
Reunidos entre os dias 25 e 27 de maio de 2022 em Brasília/DF, durante o seu 5º Encontro Nacional, o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, composto por 45 movimentos sociais e organizações da sociedade civil, vem a público denunciar as violações de direitos e as violências contra defensoras e defensores de direitos humanos, e o avanço do conservadorismo, autoritarismo e criminalização, com ameaças e ataques físicos, virtuais e morais, colocando em risco ainda maior do que já anunciamos em documentos anteriores, a vida de quem defende os direitos humanos no Brasil.
Desde o último encontro presencial deste Comitê, as defensoras e defensores no Brasil vivenciaram um cenário desolador de mortes e violação de direitos que poderiam ter sido evitadas. O cenário da pandemia atingiu a população de maneira desigual. Perdemos amigos, parentes, companheiros de luta pelo desmonte da saúde pública e pelo negacionismo e descrédito da ciência com a disseminação de fake news pelo próprio governo, e pela total falta de políticas para atender a emergência sanitária e econômica que acometeu as pessoas mais pobres e vulneráveis que geralmente constituem as populações negras e indígenas, aprofundando de maneira brutal a situação de fome e a miséria da população.
A organização popular e a construção de ações de solidariedade pelos movimentos sociais e pela sociedade civil reforçaram a importância da nossa luta por direitos humanos. Foi pela construção das nossas ações de solidariedade para a redução da fome, no combate à violência doméstica, na luta pela vacina, pelo despejo zero, e de muitas outras frentes de luta que reafirmamos nossa denúncia de que houve a construção de uma política genocida pelo Governo Federal, que continua em curso.
Ainda neste contexto da pandemia, presenciamos um aumento nos conflitos no campo, no favorecimento da grilagem e de processos de espoliação por atores nacionais e internacionais do capital, espalhando violência e morte, e com a certeza da impunidade. Verificamos o aumento dos despejos e durante a pandemia – mesmo com a conquista da organização popular com a ADPF 828 e com a Lei 14216 de 2021 – colocando na rua e destruindo moradias de quem estava em busca de um direito constitucional e ainda ficou sem abrigo em um momento em que medidas sanitárias pediam isolamento e distanciamento. Na questão ambiental, lutamos contra a liberação de agrotóxicos, na busca de investimentos para a prevenção e combate às queimadas, e contra a negociação aberta da Amazônia, do cerrado e da nossa natureza.
O genocídio da população negra e de periferia vem cumprindo seu objetivo racista proposto pelo atual presidente, desde seu programa de governo. Durante a pandemia, mesmo com a determinação do STF quanto a não realização de operações em favelas, tivemos a chacina do Jacarezinho, a violência absurda em Paraisópolis, tantas outras, e, apenas nestes três dias em que estamos aqui reunidos, vimos o Estado Brasileiro assassinar 25 pessoas no Rio de Janeiro em uma “operação” da polícia nos complexos da Penha e do Alemão, e também a tortura de um homem negro dentro de um carro da Polícia Rodoviária Federal que foi transformado em uma Câmara de Gás no Estado de Sergipe. Ainda, reivindicamos que as Secretarias de Segurança Pública dos Estados trabalhem com a categoria de Desaparecimentos Forçados e não apenas com Pessoas Desaparecidas em seus bancos de dados. Essa especificidade delimita uma tipologia diretamente mais vinculada à produção de morte por agentes de segurança do Estado e por facções paramilitares, considerando que a produção de dados, aliada à vontade política de gestores públicos e autoridades, é coluna vertebral para a materialidade de diversas políticas públicas.
Quanto aos direitos das mulheres, o avanço do Projeto de Lei sobre o Estatuto do Nascituro traz novos riscos aos direitos das mulheres e meninas brasileiras, especialmente do direito ao aborto em condições já permitidas no Brasil, agravando a condição de vida e negando o acesso a saúde por aquelas. Os recentes ataques sofridos pelos Guarani Kaiowá são, infelizmente, mais um caso dos ataques diários as populações indígenas, acompanhadas do avanço desenfreado do ataque à Natureza pelo garimpo e desmatamento ilegal, e do retrocesso nos direitos indígenas com a possibilidade de aprovação da tese do Marco Temporal.
O desmonte das instituições públicas e os ataques aos mecanismos de participação popular, fundamentais para a garantia de direitos, também tem sido uma marca desse governo nos últimos anos. No âmbito do Programa Nacional de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, assistimos o aprofundamento do desmonte da política pública que se iniciou em 2016 com a retirada da sociedade civil do Conselho Deliberativo, além da desestruturação financeira do programa e a criação de entraves burocráticos ao funcionamento dos programas nos estados. Desde então vemos também o aprofundamento da violência política e eleitoral contra parlamentares e candidatas/os/es, especialmente aqueles que se colocam na defesa dos direitos humanos.
Como lutar por direitos humanos em um cenário que favorece a violência e a desigualdade? As defensoras e defensores de direitos humanos são também cada vez mais ameaçados por tentarem enfrentar os danos causados por esta política de morte e por estarem ao lado de quem precisa na luta pela garantia e ampliação de seus direitos.
Um Estado Democrático tem o dever de impulsionar e garantir políticas públicas para atender às necessidades das pessoas LGBTQIA+, para garantir a diversidade religiosa, para combater o racismo, para atuar na proteção e defesa das mulheres e das crianças e adolescentes, dos povos indígenas e povos e comunidades tradicionais, e para defender os direitos humanos de maneira ampliada e o direito básico de lutar por direitos.
Precisamos do fortalecimento e da ampliação dos Programas de Proteção aos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos e seus familiares, em níveis estaduais e federal, com recursos que garantam a sua continuidade, com rede de apoio institucional tanto nacionalmente quanto internacionalmente.
Por fim, declaramos que o cenário é devastador em todos os sentidos, mas nossa luta não se enfraquece por conta deste cenário. Os Defensores e Defensoras de Direitos Humanos se colocam neste fronte de batalha conhecendo seus desafios e fortalecidos pelo dever de defender a vida e os direitos de pessoas que lutam para que se possa construir um mundo mais justo e igualitário com liberdade, diversidade e respeito.
Brasília/DF, 26 de maio de 2022.
Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos