Especialista da ONU expressou hoje (11/04) preocupação com as restrições aos direitos dos brasileiros à plena e ativa participação social e política, e os níveis deploráveis de violência dirigida contra pessoas defensoras dos direitos humanos, mulheres jornalistas, povos indígenas e comunidades tradicionais, em particular de afrodescendentes.
Ao fim de uma visita oficial de 12 dias ao Brasil, o Relator Especial sobre os direitos à reunião pacífica e liberdade de associação, Clément Nyaletsossi Voule, urgiu ao Estado Brasileiro a criar e manter um ambiente seguro e propício ao exercício do direito à reunião pacífica e associação.
A Constituição Brasileira garante esses dois direitos para todos que vivem no território sem discriminação baseada em cor, religião, orientação sexual, status social ou origem de nascimento. “Estou preocupado que nos últimos anos tenham surgido tendências que limitam o gozo desses direitos em todas as áreas”, disse o especialista.
“Deploro políticas que restringem a participação social e política, estreitando espaços de consulta sobre políticas públicas e tomada de decisão”, disse ele aos repórteres, condenando o fechamento de 650 conselhos participativos.
Voule disse também estar preocupado com o frequente uso excessivo da força por agentes policiais e com violações de direitos humanos durante manifestações.
“Estou preocupado com a falta de um protocolo claro e unificado para o uso da força durante protestos e de um mecanismo eficaz e independente para a supervisão da conduta de agentes policiais”, disse ele.
O especialista da ONU manifestou que a violência política contra lideranças sociais, candidatos e candidatas, e lideranças políticas eleitas, em particular mulheres afrodescendentes e trans, também representa uma séria ameaça à participação política e à democracia.
Com as eleições gerais marcadas para outubro de 2022, ele disse que o Estado deve garantir que todos os processos eleitorais sejam livres de discriminação, desinformação, fake news e discursos de ódio. “Exorto o Estado a proteger candidatos e candidatas de quaisquer ameaças ou ataques online e offline”.
Durante sua visita, Voule viajou para Brasília, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. “Estou impressionado com a sociedade civil robusta, ativa e diversificada no Brasil, que vem desempenhando um papel crítico na luta pela justiça social, pela preservação da democracia e do Estado de direito e, mais recentemente, no combate à COVID-19”, disse ele.
“Por outro lado, estou chocado com os níveis de violência contra defensores e defensoras dos direitos humanos, comunidades tradicionais, incluindo quilombolas e povos indígenas, bem como lideranças comunitárias nas favelas, motivados por fatores como o racismo estrutural.”
A violência e a discriminação contra praticantes de religiões de matriz africana são também motivo de preocupação. “Conheci coletivos de mães que querem justiça e responsabilização pela perda de seus filhos. Elas não pedem nada além daquilo que é previsto na legislação brasileira, mas vivem sob ameaça e medo constante de violência,” disse ele.
E completa: “Pessoas defensoras dos direitos humanos enfrentam um ambiente violento marcado por estigmatização, ameaças, assédio, ataques físicos e assassinatos,” disse Voule. Pessoas que atuam em defesa da terra, indígenas e ativistas ambientais enfrentam riscos graves e as comunidades e pessoas defensoras são frequente e sistematicamente visadas.
O Governo deve tomar medidas para garantir que as comunidades tradicionais vivam livres do medo da perseguição e gozem do direito de se reunirem e de se organizarem livremente para construir processos de tomada de decisão autônomos.
Voule disse estar profundamente inquieto que os mandantes da execução de Marielle Franco em 2018, defensora de direitos humanos e vereadora afro-brasileira, ainda não tenham sido identificados. Para ele, o Estado deve investigar esta execução de forma eficaz, rápida, completa e imparcial, e tomar medidas contra os responsáveis como previsto no direito nacional e internacional.
Ele ainda ressalta que há cerca de 20 projetos de lei sendo analisados pelo Congresso Nacional, em específico os PLs 1595/19, 272/16 e 732/2022 que, se adotados, efetivamente criminalizariam as atividades dos movimentos sociais sob o pretexto da segurança nacional e da luta contra o terrorismo.
Apelou ao governo para que altere os projetos de lei de forma que estejam alinhados as normas internacionais. O Relator Especial apresentará um relatório abrangente ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, incluindo suas conclusões e recomendações, em junho de 2023.
ONU: Relator Especial sobre o direito à reunião pacífica e liberdade de associação
Clément Nyaletsossi Voule foi nomeado Relator Especial sobre o direito à reunião pacífica e liberdade de associação pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em março de 2018. Ele é advogado e trabalha atualmente em Genebra no campo dos direitos humanos. Antes de ser nomeado, dirigiu o programa africano do Serviço Internacional para os Direitos Humanos (ISHR).
Ele também trabalhou como Secretário-Geral da Coalisão Togolesa de Defensores dos Direitos Humanos, como militante da Coalisão Togolesa para o Tribunal Penal Internacional e como Secretário-Geral da Anistia Internacional (Togo).
Desde 2011, o Sr. Voule é membro especialista do Grupo de Trabalho para Indústrias Extrativistas, o Meio Ambiente e as Violações dos Direitos Humanos da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. O seu mandato abrange todos os países e foi recentemente renovado pela Resolução 41/12 do Conselho dos Direitos Humanos.
Os Relatores Especiais formam o que é conhecido como Mandato de Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos. Procedimentos Especiais, o maior corpo de especialistas independentes no sistema de Direitos Humanos da ONU, é o nome geral dos mecanismos independentes de avaliação e monitoramento do Conselho que tratam de situações em países específicos ou de questões temáticas em todas as partes do mundo.
Os especialistas em procedimentos especiais trabalham de forma voluntária; não são funcionários da ONU e não recebem um salário por seu trabalho. Eles são independentes de qualquer governo ou organização e atuam em sua capacidade individual.