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Situação de abandono e falta de políticas públicas deixa extrativistas em vulnerabilidade social, em Rondônia

  • Date : 21 de dezembro de 2021

Relatório publicado no portal transparência da Prefeitura de Machadinho do Oeste revela descaso do poder público e situação de extrema de pobreza das famílias extrativistas

Por Tatiana Lima

Casas abandonadas nas reservas

De acordo com a Lei Complementar nº 224/2000, a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental do Estado de Rondônia (SEDAM), tem o dever de desenvolver políticas públicas para conservação das florestas e proteção das famílias extrativistas que vivem nas chamadas Unidades de Conservação. Porém, segundo relatório da Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de Machadinho Do Oeste (SEMAS), publicado no portal transparência do município, as reservas extrativistas e os moradores estão completamente abandonados pelo poder público, em Rondônia.

Há denúncias de assédio psicológico, grave denúncia de casas queimadas “com tudo dentro pela SEDAM”, ausência de assistência estrutural dentro das reservas e atendimento social às famílias nas Unidades de Conservação. “São relatos graves de perseguição, ameaças e até destruição de patrimônio como queima de várias moradias de extrativistas, sem lhes dar o direito de defesa”.

Criada através da Lei Complementar nº 224/2000, a SEDAM, tem o papel de proteger e formular políticas públicas e diretrizes de desenvolvimento ambiental, com objetivo de realizar a manutenção dos espaços das florestas das reservas extrativistas, onde vivem os seringueiros. Porém, os relatos das famílias publicados no relatório, revelam que o órgão vem trabalhando em sentido oposto.

“A impressão que nós têm é que a SEDAM está nos perseguindo, não nos ajudando e fazendo pressão para que a gente abandone as reservas, deixando livre para os invasores”.

Casas incendiadas em uma das Unidades de Conservação

Os extrativistas são os moradores mais antigos das florestas e moram na região das reservas muito antes de serem criadas as chamadas Unidades de Conservação. Trata-se de uma população que vive das florestas de maneira sustentável, sendo considerados os verdadeiros guardiões das florestas. A presença e as atividades deles ajudam no combate a destruição ambiental por invasores como madeireiros, agricultores, pecuaristas e garimpeiros.

A visita da Secretária de Assistência Social do Municipal de Machadinho Do Oeste nas Unidades de Conservação foi realizada entre os dias 29 de junho a 8 de julho de 2021, com objetivo de levantar a quantidade de famílias extrativistas existentes dentro do município e suas condições de vida diante da pandemia de Covid-19. 

Porém, ao chegar nas unidades de conservação, o secretário de assistência social, Paulo César de Mello, foi surpreendido por uma condição de miséria, adoecimento psíquico e falta de assistência social anterior à pandemia.

“Ao dialogar com todos os moradores, ouvi relatos de total abandono, descaso e principalmente relatos de medo e pânico vividos pelos moradores das demais reservas extrativistas Município de Machadinho Do Oeste e, em parte, dos moradores da Aquariquara de Vale do Anari”, afirma no relatório.

Situação das residências

E completa: “Como Secretário de Assistência Social do Município de Machadinho D ´Oeste, o que vivenciei foi um contundente pedido de socorro por aqueles que ainda estão conseguindo sobreviver a esta situação tão degradante e diante da inércia por parte do Poder Público”.

Sem condições de sobrevivência

Composto por depoimentos das famílias, dados levantados no local e registro fotográfico, o relatório técnico mostra casas em péssimo estado de conservação, abandonadas, incendiadas, estradas tomadas pelo mato sem condições de acesso a pé ou de carro, falta de manutenção de equipamentos de energia solar – que não estão funcionando e/ou que nunca funcionaram – e pontes improvisadas com bambus e troncos de árvore com risco de acidentes.

Entrar e sair das unidades de conservação se tornaram uma aventura, de acordo com extrativistas entrevistados pelo Comitê Brasileiro, impedindo o deslocamento das famílias dentro das próprias unidades de conservação e escoamento e entrada de produtos. A situação relatada consta no relatório fotográfico que registrou um extrativista morador da Reserva Aquariquara, atravessando uma ponte de bambus, segurando uma muleta para conseguir acessar a moradia.

Estradas que dão as reservas

Ainda, segundo as denúncias de extrativistas que conversaram com o CBDDH, há lentidão na liberação de autorização da SEDAM para a limpeza dos terrenos e reaproveitamento de árvores derrubadas pelo vento ou que caíram naturalmente. A espera por uma autorização do órgão pode chegar a demorar mais de um ano ou nunca sequer ser respondida.

A limpeza dos terrenos é fundamental para que as famílias possam fazer o plantio de alimentos para subsistência, permanecendo dentro das reservas. Sem conseguir tirar o sustento das florestas, as famílias acabam abandonando as unidades de conservação na procura de sobrevivência na cidade.

João Carlos Bragança, secretário da Organização dos Seringueiros de Rondônia (OSR), que integra a rede de organizações e movimentos sociais do Comitê Brasileiro, é necessário que seja desenvolvido pelo governo um trabalho de apoio aos extrativistas no estado.

“A atual governança tem desagrado bastante a população das Unidades de Conservação com queimas, expulsão de moradores. Tentamos lutar para ver se conseguimos trazer harmonia entre estado e a classe dos extrativistas. Precisamos conseguir viver em paz dentro das reservas, tendo apoio de políticas públicas para esse povo. O trabalho da OSR é esse: defender os extrativistas”, pontua João Bragança.

Extrativista que teve câncer para acessar sua casa, atravessa uma ponte improvisada segurando 2 muletas.

No total, o estado de Rondônia tem 22 Unidades de Conservação dentro do território, sendo que 14 estão localizadas na cidade de Machadinho D’Oeste, sendo o município com o maior número de reservas. Porém, todas estão vinculadas e são de responsabilidade da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental do Estado de Rondônia (SEDAM).

Além da falta de apoio estrutural e de políticas públicas, de acordo os extrativistas, as famílias vivem também o drama de incêndios criminosos das “colocações” – como são chamadas as casas – dentro das reservas e a falta de compradores para a borracha, principal produto extraído das reservas.

“Não há compradores para o tipo de borracha que extraímos. Vendíamos para a Bolívia, mas com a pandemia isso não acontece mais. O preço também caiu ainda mais”, diz um seringueiro entrevistado pelo Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH) – que prefere não ser identificado.

A CVP (cernambi virgem prensado), borracha extraída pelos seringueiros de Rondônia, até 2020, era vendida no mercado convencional por R$2,50 (o quilo).

Sem Respostas do MPF e a Defensoria Pública e Governo de Rondônia

Em entrevista ao Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, Paulo César de Mello, secretário de assistência social e relator técnico da situação dos extrativistas, localizado no município de Machadinho do Oeste, ressaltou a situação de total falta de assistência e vulnerabilidade social das famílias.

“A situação é de extrema pobreza e vulnerabilidade. As famílias estão sofrendo muito. Nosso foco não é buscar culpados [para as casas incendiadas], mas registrar a injustiça feita com esse povo por parte do poder público. Não posso julgar se a Sedam estava errada ao queimar as casas ou não, embora haja indícios que estava. Isso é critério para a justiça decidir. A minha questão é: o que fazer agora?”, ressalta Paulo Cesar de Mello.

E completa: “A gente tem uma falha do poder público de forma geral com esse povo, pois criou-se a reserva, mas se esqueceu do povo que estava lá dentro, não se fez uma política pública para atendê-los. O que eu quero é fazer uma política pública para atendimento desse povo para todos nós enquanto poder público corrigimos as injustiças que foram feitas”.  

De acordo com ele, nos últimos quatro meses, houve mudanças dos agentes públicos. “A SEDAM foi o órgão que eu mais critiquei no relatório, mas eu sinto agora uma boa vontade deles. Eles estão entrando em contato, fazendo relatório, negociando com a associação”. No entanto, Paulo Cesar, ressalta que “falta oficializar propostas de políticas voltadas ao atendimento das famílias pelo Estado”.

O relatório técnico da Prefeitura de Machadinho do Oeste também foi enviado à Procuradoria da República de Rondônia, Ministério Público Federal (MPF) e Defensoria Pública do Estado de Rondônia. Mas, até agora não houve quaisquer respostas dos órgãos sobre as denúncias de incêndios irregulares das casas dos extrativistas nas reservas ou uma ação de assistência aos extrativistas.

A Prefeitura de Machadinho Do Oeste elaborou um Plano Municipal de atendimento às famílias extrativistas. Porém, as unidades de conservação são designadas de responsabilidade do estado de Rondônia, conforme prevê a Lei Complementar nº 224/2000.  

O relatório técnico da Secretaria de Assistência Social de Machadinho do Oeste, esteve em 14 reservas: Massaranduba, Maracatiára, Mogno, Sucupira, Angelim, Castanheira, Jatobá, Piquiá, Garrote, Roxinho, Rio Preto Jacundá e Rio Machado, Do Porto 2 novembro, Comunidade Lagoa Verde, além da Reserva Aquariquara já no Município de Vale do Anari.