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#8M Dia Internacional de Luta das Mulheres: defensoras de Direitos Humanos Devem Ser Protegidas

  • Date : 8 de março de 2022

Neste Dia Internacional da Mulher, 8 de Março, data que simboliza a luta histórica de todas as mulheres para terem as condições equiparadas às dos homens, reivindicarem direitos e denunciarem a violência de gênero, o Comitê Brasileiro ressalta que mulheres defensoras de direitos humanos devem ser protegidas de forma integral. Os Estados devem cumprir seus compromissos de proteger mulheres defensoras de direitos humanos, que estão cada vez mais sob ataque e inadequadamente protegidas. 

As experiências de vida das mulheres defensoras de direitos humanos são marcadas por violências interseccionais, por serem mulheres, por defenderem direitos em um contexto de retrocesso democrático e por contestarem estruturas de poder racistas, classistas e heterosexistas.

Levantamento realizado pelo Comitê Brasileiro, o Dossiê Vidas Em Luta, publicado no final de 2020, demonstra que mulheres defensoras de direitos humanos por estarem na luta contra retirada de direitos em seus territórios, seja no campo e na cidade estão mais suscetíveis a ataques e agressões.

Primeira Marcha Nacional das Mulheres Negras, Marcha das Mulheres Negras Contra o Racismo Pelo Bem Viver, Brasília, em novembro de 2015.

“Elas produzem rupturas nas estruturas de poder tanto pelas atividades políticas que desempenham quanto por sua presença em lugares que, hegemonicamente, não são vistos como seus. Uma mulher que se levanta na defesa de seu território e sua comunidade contra um projeto de mineração também se levanta contra o sistema heteropatriarcal que restringe sua existência ao espaço doméstico e ao trabalho reprodutivo”, destaca o CBDDH.

Em tempos de contraofensiva conservadora e fundamentalista, engajar-se em qualquer luta política é, para uma mulher, uma grande contravenção”, afirma o documento. São as mulheres defensoras de direitos humanos que estão mais propensas a sofrerem ameaças, assédio e/ou agressão física, sexual e/ou psicológica na esfera privada (dentro da família ou núcleo próximo) e na esfera pública. 

Elas também sofrem com o não reconhecimento de suas ações, desqualificação de sua atuação, marginalização e exclusão da vida pública e política. Inclusive, dentro de suas próprias organizações, comunidades e movimentos.

O cotidiano das mulheres defensoras de direitos humanos é marcado por trabalho intenso que combina longas reuniões, afazeres práticos da militância, auxílio a demandas urgentes dos movimentos e coletivos que integram, e dedicação aos cuidados da casa e da família. “As mulheres defensoras de direitos humanos cuidam da resistência e da existência, em uma relação orgânica que garante a continuidade da vida e da luta política, ao mesmo tempo em que afirmam seu papel no mundo”, destaca o Dossiê Vidas Em Luta.  

E completa: “são as mulheres que são mais invisibilizadas e silenciadas de suas contribuições e opiniões, sendo atacadas, estigmatizadas e que recebem descrédito social e ataques à honra e à reputação. Sofrem ameaças não só nos seus corpos, mas são ameaçadas com a violência nos corpos de suas filhas, filhos e familiares, ameaçadas ainda com a tomada da guarda dos filhos e filhas por lutarem e reivindicarem direitos”.   

Dia Internacional da Mulher, Rio de janeiro,Centro, 8 de março de 2017. Foto Adriana Medeiros.

Essa contraofensiva não começou com a eleição de Jair Bolsonaro, mas nela encontrou caminhos abertos para se consolidar nas instituições e se capilarizar na sociedade”, ressalta o Dossiê Vidas Em Luta. Porém, a permanente incitação à violência feita pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e sua base contra específicos segmentos da população – mulheres, profissionais de imprensa, indígenas, quilombolas e outros – gera um ambiente de legitimação de atos de violência pela população contra esses grupos, e de insegurança das defensoras na inserção em um Programa de proteção executado por um governo que se posiciona contrário à afirmação de direitos destas populações.

O Programa Nacional de Proteção às Defensoras e Defensores de Direitos Humanos no Brasil (PNPDDH) instituído em 2004 e efetivado após assassinato da missionária Dorothy Stang, em 2005, deveria ser uma das principais ferramentas para proteção das defensoras de direitos humanos, mas sofre de descontinuidades de execução e sua ampliação é pouco significativa como aponta o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH). 

“A violência contra as mulheres tem sido uma constante no campo brasileiro e em 2019 102 camponesas, indígenas, quilombolas e lideranças foram vitimadas por: Assassinato – 3, Tentativa de Assassinato – 3, Ameaça de morte – 47, Prisão – 5, Intimidação – 15 e Outras formas de violência – 29” (CEDOC/CPT, 2020, p.104).

A triangulação das esferas federal e estadual com as organizações da sociedade civil conveniadas, aquelas que fazem a política acontecer na ponta, é ainda muito burocratizada e os recursos são insuficientes. Muitos estados não querem aderir ao convênio para não arcar com a contrapartida, por exemplo, destaca reportagem da revista Carta Capital.

De acordo com a Relatora Especial da ONU sobre Defensores/as de Direitos Humanos, entre 2015 e 2019 1.323 defensores/as de direitos humanos foram assassinados/as em todo o mundo (Conselho de Direitos Humanos, 2021, §41). Mais de 70% destes casos se concentraram na América Latina e no Caribe, e em 166 deles as vítimas foram mulheres. 

Entre 2019 e 2020, foram registrados 59 incidentes de violência contra mulheres defensoras de direitos humanos no Brasil – 33,90% brancas, 42,37% negras, 13,56% indígenas e 10,17% casos em que não foi possível identificar. Dessas, 2 eram mulheres lésbicas ou bissexuais e 9 eram mulheres trans. Não foi possível identificar a orientação sexual ou  deficiência na maior parte dos casos –96,22% e 100% dos casos, respectivamente –, pois essas informações não se encontravam disponíveis nos relatos coletados. Dos 59 casos registrados, 12 eram de jornalistas e três de sindicalistas.

Neste contexto, o Comitê Brasileiro chama atenção para o retrocessos políticos no país e novamente ressalta que a descontinuidades de execução  PNPDDH, aliada ao cenário de violência política de gênero e a contestação de direitos das mulheres por grupos fundamentalistas — como o direito à saúde sexual e reprodutiva — e aquelas que denunciam as ações de indústrias e empresas extrativas — que frequentemente levam à violação dos direitos de grupos específicos, como indígenas, minorias raciais e étnicas, comunidades rurais e outras marginalizadas — vem produzindo um cenário de grave risco e ameaças as mulheres defensoras dos direitos humanos.

É necessário que haja perspectiva feminista e interseccional sobre proteção dos direitos humanos no Brasil que reconheça tanto a interseção de sistemas de opressão que produzem e aprofundam a violência contra ativistas e movimentos sociais quanto formas geralmente ignoradas de violência contra as mulheres em todas as esferas dos poder público federal e dos estados e dentro das próprias organizações sociais.

Fotos: Adriana Medeiros