O Programa Nacional de Proteção a Defensores de Direitos Humanos (PPDDH)
Em um cenário de violações sistemáticas aos direitos humanos, os países precisam enfrentar as questões estruturais geradoras dessas situações. Para isso, são necessárias políticas públicas complexas, que sejam capazes de interromper as situações de violência de maneira imediata, enquanto atuam de maneira paralela para a eliminação das situações geradoras dessas violações.
O Estado brasileiro, reconhecendo a vulnerabilidade e risco a que estão expostos os defensores de direitos humanos, desenvolveu medidas para a proteção desses indivíduos e coletividades. No entanto, são inúmeras as ineficiências na efetivação dessa política de proteção no país ao longo dos últimos anos. É papel do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores evidenciar quais são os problemas dessa política e cobrar para sua plena estruturação e continuidade.
Histórico e funcionamento
O Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) no Brasil foi instituído em 26 de outubro de 2004, a partir de reivindicações de organizações de direitos humanos que apontavam para a construção de uma política pública efetiva de proteção e enfrentamento das situações geradoras de ameaças aos defensores e defensoras de direitos humanos.
A implantação dos Programas nos estados deve se dar por meio da formalização de convênios entre a SDH e os governos estaduais. Os convênios preveem o repasse de verba federal para a implantação dos programas estaduais, que também devem entrar com uma contrapartida financeira.
Quando acontece o encerramento e descontinuidade dos programas nos estados, a proteção é assumida pelo Programa Federal a partir da sua equipe técnica, sediada em Brasília. A dificuldade da expansão não se dá pela ausência de demanda de proteção, mas antes pela falta de comprometimento dos estados federados em oferecer uma contrapartida para a implantação do PPDDH e/ou pela falta de vontade política de estruturar e manter uma política como essa.
A Política de proteção chegou a ser implantada em nove estados do país (Minas Gerais, Pernambuco, Espírito Santo, Ceará, Bahia, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Maranhão e Pará), mas atualmente está presente apenas nos Estados em Pernambuco, Minas Gerais, Ceará e Maranhão. Assim, os programas estaduais têm sido caracterizados por uma reiterada descontinuidade.
Em todas as suas manifestações, o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos enfatiza que a ampliação da rede de programas deve ter por base, além do real compromisso dos governos estaduais, a ampla participação da sociedade civil desde a sua concepção até o processo de formalização e monitoramento. As organizações da sociedade civil que integravam a Coordenação Nacional também reivindicam, conforme definem as diretrizes gerais do PPDDH, uma participação maior no processo de sensibilização dos governos e mobilização da sociedade civil na expansão da rede de proteção, com o objetivo de garantir uma efetividade maior dos programas estaduais.
O Pará é um dos estados que teve o programa descontinuado e viu o número de assassinatos de defensoras e defensores dobrar no último ano.
. 6 mortes em 2016
. 12 mortes no primeiro semestre de 2017Incluindo a chacina de Pau D’Arco,
que tirou a vida de 10 trabalhadores rurais.
Marco Legal
O PPDDH nunca teve um marco legal que o concretizou como uma política pública de Estado. Sua existência, sempre a mercê da vontade política do governo em questão, se constitui por meio de um decreto. Existe um Projeto de Lei (PL) nº 4575/2009 que está tramitando no Congresso Nacional, e que apesar de já ter sido aprovado por quatro comissões – Direitos Humanos e Minorias (CDHM); Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, Finanças e Tributação e Constituição e Justiça (CCJ), segue parado. O PL estabelece quais são os órgãos responsáveis pelo mecanismo e suas respectivas atribuições, define conceitualmente as/os DDHs e as condições para que ingressem no programa e disciplina sobre as medidas protetivas.
Em abril de 2106, houve uma reformulação do decreto que originou o mecanismo e um novo Decreto (nº8724) passou a vigorar. Na nova formulação, o Conselho Deliberativo do mecanismo não previa mais a participação da sociedade civil na Coordenação Nacional do Programa. O referido decreto trouxe mudanças críticas que deterioraram a estrutura do programa de proteção pois:
a) restringiu o alcance do PPDDH à pessoas em situação de ameaça, em contrariedade à resolução 53/144 da OEA e o próprio manual de procedimentos do PPDDH, elaborado pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH) em parceria com a sociedade civil e outros órgãos públicos, que determina que a proteção de defensoras e defensores deve ocorrer a pessoas ou grupos em situação de risco e vulnerabilidade, e não apenas pessoas em situação de ameaça;
b) cria o Conselho Deliberativo do PPDDH, mas prevê a participação de órgãos do Estado, somente, e exclui a participação da sociedade civil, que desde o início luta para que esse espaço seja paritário. Segundo a nova composição, apenas dois membros da Secretaria de Direitos Humanos e um membro do Ministério da Justiça fariam parte do conselho deliberativo. O decreto acaba com a coordenação nacional do PPDDH nos seus antigos moldes, antes composta por diversos órgãos públicos e cinco organizações da sociedade civil.
Marco Metodológico
Num país com as dimensões do Brasil, o distanciamento da equipe federal do PPDDH de realidades tão diversas e complexas deixa DDHs em posição extremamente frágil perante seus ameaçadores. A falta de estratégias de proteção voltadas para grupos específicos, no sentido de levar em conta suas especificidades, é um dos grandes problemas do mecanismo. Não existem medidas voltadas para mulheres, público LGBT, quilombolas ou indígenas, por exemplo, atingidos de formas singulares. Assim, há muito a se avançar numa perspectiva coletivizada da proteção, afinal quando uma liderança está ameaçada por um conflito de terra, toda a comunidade também está. Se o cacique de uma aldeia está ameaçado, toda a aldeia também está. É impossível garantir eficácia na proteção se não forem consideradas todas as pessoas potencialmente envolvidas no cenário de conflito e se não forem criadas metodologias consistentes para garantir a proteção adequada a essas especificidades dos atendidos.
É fundamental também que haja um tratamento especifico para as mulheres defensoras de direitos humanos, bem como que haja uma extensão da proteção às mulheres que são familiares da liderança ameaçada. Quando se trata de mulheres defensoras de direitos humanos é importante considerar que, muitas vezes, o assassino e ameaçador pode estar dentro de casa. Quando as mulheres se colocam no cenário político, é muito comum que haja o aumento da violência que as mesmas sofrem dentro do ambiente doméstico.
Participação da sociedade civil
Organizações como Justiça Global, Terra de Direitos, Conselho Indigenista Missionário, Comissão Pastoral da Terra e Movimento Nacional dos Direitos Humanos integraram, desde 2004, a Coordenação Nacional do PPDDH, que tinha entre suas atribuições analisar os casos de DDH em situação de vulnerabilidade, pensar estratégias de proteção e de enfrentamento das questões estruturais, bem como deliberar nos casos de inclusão e exclusão no Programa.
A sociedade civil organizada atuou durante todos esses anos como principal agente reivincador do aprimoramento do PPDDH, apontando seus problemas de funcionamento e elaborando recomendações que visavam a sua melhoria. A proximidade dessas organizações das defensoras e defensores vítimas das violações também foi importante para a avaliação de como as medidas de proteção eram colocadas em prática.
A remoção da sociedade civil da coordenação do PPDDH é vista com grande preocupação pelo CBDDH. Acreditamos que os problemas estruturais que o mecanismo enfrenta somente serão superados levando em consideração a perspectiva dos atores que compreendem a necessidade de uma política pública de proteção a defensoras e defensores de direitos humanos e que atuam há mais de uma década para efetivá-la.
O papel do Estado na política de proteção
Uma das dificuldades e desafios da política de proteção segundo a avaliação do CBDDH é a necessidade de os programas articularem órgãos públicos responsáveis pela garantia de direitos – como aqueles encarregados da demarcação de terras e dos direitos indígenas, por exemplo – e mobilizarem políticas públicas que enfrentem as questões estruturais que levam à vulnerabilidade das/os defensoras e defensores de direitos humanos e à dos movimentos sociais. O não enfrentamento por parte do Estado Brasileiro de problemáticas como a não garantia do direito à terra e território, acirra os conflitos agrários, e consequentemente coloca em ainda mais risco os defensores e defensoras de direitos humanos deste contexto, por exemplo.
Outra dificuldade e desafio diz respeito à necessidade que as ameaças sejam devidas e efetivamente investigadas, levando à responsabilização dos atores que investem contra os DDHs.Em muitos dos contextos dos defensores atendidos pelo mecanismo, os agentes do Estado figuram como os próprios agentes perpetradores dessas violações, o que faz com que a política de proteção tenha que ser ainda mais capilarizada em diversos órgãos públicos do Estado para ser capaz de garantir uma proteção efetiva dessas vítimas.