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Juíza determina, pela segunda vez, cumprimento de liminar que devolve 43 mil hectares às comunidades geraizeiras

  • Date : 6 de outubro de 2019

Decisão, já emitida em 2017, foi dada novamente depois de reunião da magistrada com representantes de comitiva de direitos humanos

A juíza substituta responsável pela comarca de Formosa do Rio Preto (BA), Marivalda Moutinho, determinou, na quarta-feira (02), pela segunda vez, o cumprimento da liminar que reconhece os 43 mil hectares como parte do território ancestral das comunidades geraizeiras localizadas no Oeste da Bahia,. A área está atualmente sob posse do condomínio fazenda Cachoeira do Estrondo.

O despacho da juíza foi um compromisso firmado, no mesmo dia, durante reunião com representantes da comitiva de direitos humanos que, desde segunda-feira (30), verifica “in loco” as denúncias de violações contra comunidades geraizeiras por parte dos empreendimentos do condomínio Cachoeira do Estrondo. Após a reunião, em Salvador, a magistrada comprometeu-se em pedir novamente o cumprimento da liminar emitida em 2017, o que ocorreu horas depois.

“Quando soube da decisão fiquei tão emocionada que arrepiei. Ela é muito importante para nós. Dessa vez, eu estou confiando que a justiça vai fazer cumprir essa decisão. Agora há pouco recebemos uma informação que um morador esteve lá na guarita, a mesma que  vocês estiveram, para passar e tentar ver o gado e não deixaram”, relata uma moradora do povoado de Aldeia. A impossibilidade de livre acesso ao próprio território compõe um conjunto de denúncias que as famílias têm feito aos órgãos públicos e organizações de defesa dos direitos humanos.

Reunião, em Formosa do Rio Preto, com o delegado da polícia civil Carlos Roberto de Freitas Filho

A decisão ocorre em um momento em que as comunidades geraizeiras são impedidas de se deslocar dentro de seu território, sofrem revistas intimidatórias, não conseguem ter acesso ao gado e a colheita do capim dourado, que garantem sustento das famílias, dentre outras violações como ataques por arma de fogo que, somente neste ano, já deixaram dois moradores feridos. Todos esses relatos foram ouvidos pela comitiva de direitos humanos no povoado de Aldeia, no começo dessa semana.

No despacho, a magistrada pede que a ação proceda com o “reforço das polícias militar e civil na diligência”, pois o cumprimento da decisão implicará na destruição de diversas guaritas instaladas pela fazenda Estrondo.

Abner Mares Costa, da Associação do Desenvolvimento Solidário e Sustentável (ADES) – 10envolvimento, organização que há anos acompanha as comunidades geraizeiras, relembra a euforia da comunidade em 2017 quando essa decisão foi emitida pela primeira vez. Euforia que se transformou em decepção com o não cumprimento da decisão passado quase dois anos. “Nesse tempo, a fazenda Estrondo intensificou e qualificou a sua segurança dentro do território das comunidades. Antes era feito um controle e as famílias podiam passar dizendo para onde iam, atualmente elas não podem sequer passar. Tem guaritas, valas, cercas elétricas e rondas de escolta armadas feitas pelos agentes de segurança, que ao encontrarem os moradores na “lida do campo” fazem abordagens truculentas e intimidatórias”, relata Abner.

Para ele, a pressão realizada pela comitiva de direitos humanos ajudou muito para um novo despacho da juíza.

“Mais uma vez comemoramos muito essa decisão. Assim que recebi a notícia eu comuniquei à comunidade que é a principal interessada. A euforia deles foi tremenda e atribuímos isso também a essa força tarefa feita pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos e do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos e do Comitê. Essa pressão foi fundamental para a decisão da juíza”

Reunião com promotor de justiça de Barreiras, Eduardo Bittencourt.

Além da reunião em Salvador, com a juíza Marivalda Moutinho, a comitiva também se reuniu com o promotor de Justiça de Barreiras, Eduardo Bittencourt Filho, com o delegado titular da delegacia da polícia civil de Formosa do Rio Preto, Carlos Roberto de Freitas Filho e com o prefeito do município, Temosires Neto. Um dia antes da chegada dessa comitiva à região, o prefeito também foi alvo das ações truculentas dos seguranças da empresa Estrela Guia. Ele foi barrado em uma das guaritas das fazendas do Condomínio Estrondo quando tentava se deslocar, com mais dois vereadores do município, à comunidade geraizeira de Cacimbinhas. Na reunião com a comitiva, o prefeito deixou claro que irá tomar as medidas necessárias para que esses abusos não ocorram mais.

“Vejo cotidianamente que a comunidade está oprimida para transitar. É preciso que a empresa dê espaço para as pessoas que moram ali há mais de século”., disse ele à Comitiva.

Comitiva sendo recebida pelo procurador da República de Barreiras, Rafael Guimarães Nogueira

Ação civil pública – Em reunião com o procurador da República de Barreiras, Rafael Guimarães Nogueira, o magistrado informou que até o final deste mês ingressará com uma ação civil pública contra o condomínio fazenda Cachoeira do Estrondo.

“Acompanho esse caso desde 2018 e se observa que essa situação de conflito só vem piorando, com casos de disparos de arma de fogo, inclusive. Está claro que eles extrapolaram os limites do que a autorização para vigilância patrimonial autoriza. Nessa ação irei pedir que seja revogado imediatamente o uso de armas, além de pedir a responsabilização civil dos envolvidos” afirmou o procurador.

O representante da Defensoria Pública da União (DPU) na comitiva de direitos humanos, Ricardo Fonseca, reafirma que a visita desse grupo a essa região e as reuniões realizadas com autoridades locais contribuíram para a decisão emitida na quarta-feira (02).

“Foi muito importante a vinda dessa comitiva aqui para verificar in loco tudo que era denunciado. A cada dia eles empurram mais a comunidade para que deixe o local. E a união de todas essas organizações e instituições públicas contribuiu para que a juíza tomasse essa decisão. A DPU pode e vai acompanhar também a ação que o MP irá protocolar na justiça federal para cobrar resultados”, pontua o defensor público.

 

A conselheira do CNDH, Livia Ferreira fala sobre as violações encontradas pela comitiva em audiência pública na câmara de vereadores de Barreiras

Audiência Pública – As articulações dessa comitiva de direitos humanos encerraram nesta quinta-feira (03) com uma audiência pública na Câmara de Vereadores do município de Barreiras. Durante a audiência pública, a representante do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), Lívia Ferreira representou a comitiva na mesa de debates. Lívia relatou as reuniões e encaminhamentos feitos pela comitiva durante as reuniões realizadas nessa semana e voltou a exigir o cumprimento da liminar como ação que irá devolver, minimamente, a dignidade para essas comunidades.

“Que essa decisão possa ser cumprida, que se derrube as guaritas e que as ações irregulares desse Condomínio sejam fiscalizadas. A comunidade de vítima virou ré, por ações arbitrárias dessa empresa. Nós estamos aqui para defender o direito dessas pessoas ao seu território ancestral”, disse a conselheira do CNDH.