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MÃES DE ACARI 31 ANOS: TRÁGICAS VIDAS VISÍVEIS, GRACIOSAS VIDAS OCULTAS…

  • Date : 26 de julho de 2021
Foto: Acervo

Por Deley de Acari

Hoje, dia 26 de Julho, a partir das 15h, o Coletivo Fala Akari realiza em sua sede na Favela de Acari, uma série de atividades lembrando os 31 anos da Chacina de Acari, que causou o desaparecimento forçado das filhas e filhos de mães do Complexo de Favelas do Bairro de Acari, Zona Norte do Rio de Janeiro.

Uma das primeiras atividades será a exibição do documentário “Luto Como Mãe, que narra o caso de Acari além de outros casos de assassinato e execução sumária cometida por agentes de segurança de Estado.

Produzido em 2008, dezoito anos após a Chacina, o documentário recupera imagens da peregrinação desesperadas das mães de Acari para encontrar os corpos de seus filhos e filhas, desde os primeiros dias após 26 de Julho de 1990, data formalizada como o dia do provável do assassinato e sumiço dos 11 corpos.

O documentário registra um período de grande visibilidade das Mães de Acari nas mídias, em debates, palestras, reportagens especiais, novelas de horário nobre…

Do conteúdo do documentário se entende que as mães de Acari, passaram quase 24h por dia de suas vidas vivendo minuto a minuto a tragédia das perdas de seus filhos e filhas.

Mas teria mesmo as Mães de Acari vivido a partir da morte violenta de seus filhos e filhas só momentos de tristeza e dor, provocando os mesmos sentimentos em quer que tivesse contato com elas? Ou viveram momentos de alegria e graça, provocando esses sentimentos em quem estivesse convivendo com elas?

Foto: RioOnWatch

Durante cerca de sete anos as Mães de Acari tiveram uma participação ativa na favela, coordenando atividades, presidindo o Centro Cultural Areal Livre com cursos de telemarketing, cozinha industrial, informática, futebol, handebol, canto coral e outras atividades.

Construíram elos de afetividade e carinho com dezenas de jovens e adultos participantes dos projetos, sem que, no entanto, houvesse e haja ainda hoje por parte das academias, da mídia corporativa, de pesquisadores, cineastas… registros sobre esses longos e saudosos momentos de alegria e graça.

Momentos que se permanecem ocultos e inexistentes, mas que permanecem vivos nas memórias e nos corações de todas e todos que conviveram com elas em Acari e, muito pouco, para quem só teve contato com elas fora da favela.

Após exibição do documentário Luto Como Mãe, uma roda de conversa será realizada para falar sobre o filme, mas também para ouvir as vozes e os corações das pessoas que conviveram com as Mães de Acari. Não só nos seus dias de tristeza e dor, mas também de alegria e graça, no qual realizaram um trabalho efetivo pelos direitos humanos e pela paz em Acari e no mundo.

Além do documentário, uma exposição de fotografias sobre elas e sobres outras mães vítimas de violência de Estado nos tempos de ontem e hoje, está exposta na sede do Coletivo Fala Akari, lembrando que a solução e justiça desses casos é uma luta coletiva.

Mães de Acari esquecidas

As Mães de Acari vivem hoje o ostracismo de suas dores. Se o ostracismo depois da fama por motivos positivos já dói, por motivos negativos e trágicos, causa ainda mais dor.

Com as mortes de Marilene Lima e Vera Lucia Flores, as mães mais atuantes há cerca de 12 anos, o Caso Mães de Acari foi como que apagado do acervo de lutas dos movimentos de direitos humanos. As mães ainda vivas, que mais parecem que já foram dadas como mortas, estão em condições de vida vulneráveis e precárias semelhantes às que viviam há 31 anos atrás.

Foto Acervo

A mais importante das motivações de luta pelos direitos humanos das vítimas sobreviventes e das famílias de vítimas mortas e/ou desaparecidas das ditaduras e democracias burguesas das Américas Latinas, Central e Caribe, seja por Memória, Justiça e Verdade. Isso não é essencial para que lutas individuais e coletivas possam impedir a repetição de novos casos e o aprimoramento dos mecanismos governamentais e populares para a promoção, defesa e preservação dos direitos humanos?

É essa pergunta que mobiliza o Coletivo Fala Akari e ativistas de direitos humanos que atuam de forma independente ou organizados em ONGs e redes, como a Red Alas, a Libera, Frontline Defenders, FIDH, Comitê Brasileiros de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos.

Romper com o ostracismo, resgatar a memória de casos de violações de direitos humanos ocorridos durante ditaduras militares, que formalmente acabaram há mais de 40 anos ou em períodos pós ditaduras em que os mecanismos de repressão estatal não foram desmontados, é essencial. Uma vez que essa estrutura segue em curso e sendo utilizada por agentes de segurança estatal para cometer crimes, coagir e achacar criminosos comuns, formar milícias e estruturar o crime organizado.

Se não há mais possibilidade de punição jurídica, por causa da prescrição da maioria dos crimes, além da punição moral e social com a publicização dos nomes dos assassinos, torturadores, sequestradores, vale a pena avivar a memórias das tragédias que abalaram famílias, comunidades, lugares?

Foto: RioOnWatch

Ouvi ou li em algum lugar que na verdade: a história não se repete, se prolonga. Sem medo de errar, podemos dizer então que a história das lutas das novas mães de Acari e mães do mundo travadas hoje em dia, não são meras repetições das lutas antigas e perdidas da Mães de Acari, da mãe-irmã Marli de Belford Roxo, mas sim o prolongamento das lutas iniciadas por essas mães há trinta… quarenta anos atrás.

E se são prolongamento da história construída por essas mães, logo essas lutas também são evidências de que as Mães de Acari não perderam sua luta histórica por não terem achado os corpos de suas filhas e filhos amados. Apesar da impunidade dos assassinos e do Estado genocida que armou as mãos de tais assassinos.

A verdade é que a luta e história das Mães de Acari não tiveram fim. Seguem nas lutas das mães de defensores de direitos humanos de hoje, pois suas lutas são alinhadas e continuam.

Foto Acervo

Vera Lucia Flores, ao ser questionada por sua amiga e companheira de luta do Grupo Mães de Acari, Marilene Lima, o que faria quando o caso de Acari fosse solucionado, disse: “Vou continuar na luta ajudando outras mães”.

Portanto, celebrar a memória das Mães de Acari que já não estão entre nós, e das que vivem ainda, torna-se vital para produção de justiça. Pode trazer aos nossos corações e mentes uma saudade imensa que dói e entristece pela ausência, mas também nos conforta e alegra por ser uma saudade nem boa e nem má, mas uma “saudade meiga” no bem dizer de genial preta de Irajá, Dolores Duran.

Ver e ouvir uma Mãe de Acari que já se foi em um vídeo, ouvir casos e ações alegres sobre elas, abraçar, beijar e ser acolhido pelo coração maternal de mães vivas ainda como Ana, Tereza, Joana… além de ser uma memória que nos traz essa saudade boa, também reaviva em nós e nelas mesmas, uma saudade que Dom Mauro Morelli, arcebispo emérito de Caxias, cunhou ser como: “Ter Esperança É ter Saudade do Futuro”.

Rio de Janeiro, 26/07/2021.

Deley de Acari

Poeta negro, animador cultural popular, integrante do Coletivo Fala Akari e da Favela de Acari, e do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos.

Os onze jovens sequestrados (e suas idades, em 1990):

  • Viviane Rocha, 13 anos;
  • Cristiane Souza Leite, 16 anos;
  • Wudson de Souza, 16 anos;
  • Wallace do Nascimento, 17 anos;
  • Antônio Carlos da Silva, 17 anos;
  • Luiz Henrique Euzébio da Silva, (vulgo Gunga) 17 anos;
  • Edson de Souza, 17 anos;
  • Rosana Lima de Souza, 18 anos;
  • Moisés dos Santos Cruz (vulgo Moi), 31 anos;
  • Luiz Carlos Vasconcelos de Deus (vulgo Lula), 37 anos;
  • Edio do Nascimento, 41 anos.