Por Cfemea
Neste março, evidenciamos forças transformadoras que o feminismo antirracista decolonial mobilizam para proteger as mulheres das guerras contra elas, e para organizar as mulheres contra as guerras. O ativismo das mulheres denuncia, sustenta lutas e resistências, e gera alternativas.
O feminismo é luta! Luta que muda o mundo e promove a transformação das próprias mulheres em sujeitas. Somos sujeitas coletivas que movem e orientam suas próprias vidas e as mudanças no mundo, e não mais objetos passivos da ação do racismo patriarcal. Nosso horizonte é transformar o mundo pelo feminismo, para mudar as estruturas racistas, patriarcais, machistas, misóginas, LGBTQIA+fóbicas e capacitistas.
Somos mulheres negras, indígenas e brancas, pardas, cis, trans, não binárias das cidades, dos campos, das águas e das florestas que nos mobilizamos na luta contra o racismo para impedir o genocídio da juventude negra. Lutamos pelos direitos das mulheres indígenas e de seus povos aos seus territórios ancestrais. Lutamos contra o ecocídio, para denunciar à ganância do agronegócio e das mineradoras que seguem matando o cerrado, a Amazônia, a caatinga, o Pantanal, o pampa e a Mata Atlântica – os nossos biomas. Lutamos contra a guerra cotidiana vivenciadas pelas mulheres periféricas impostas pelas milícias e pelas forças do Estado.
Nós nos somamos às feministas de todo o mundo contra a militarização, contra as guerras da Ucrânia, Burkina Faso, Somália, Sudão, Iêmen e Síria, contra o genocídio em Gaza e pelo imediato cessar fogo.
Somos amparadas pela ancestralidade negro-indígena que, historicamente, lutou e luta contra o racismo, o colonialismo, a subalternização, a exploração e expropriação de seus corpos, saberes e formas de vida. Reconhecemos a contribuição das matrizes de saber negra e indígena na construção do país, e celebramos a existência desses saberes fundamentais para o sustento da nossa vida – esse reconhecimento é eixo fundamental de reparação histórica com nossa ancestralidade!
É esse o suporte que nos guia pelo Bem Viver para sustentar a nós mesmas, nossas comunidades e nossos territórios e, principalmente, para estruturar e colocar em prática nossas reivindicações diante dos enfrentamentos diários, que se configuram como verdadeiras guerras, simbólicas e literais, contra nossas existências.
Desse modo, são as práticas do Bem Viver que nos inspiram e nos sustentam para denunciar e enfrentar as violências fascistas e antidemocráticas, que vêm crescendo em diversos países, e que no Brasil se instalou de forma incisiva na atual legislatura do Congresso Nacional. As redes dos partidos de ultradireita, articuladas por fakenews e desinformação, enfraquecem nossos vínculos coletivos, sequestram o orçamento público, fundamental para implementar políticas de enfrentamento às diversas formas de desigualdade que assola nossa sociedade.
A ancestralidade e a luta coletiva nos dão força e caminho para enfrentar a violência de gênero e raça, responsáveis pelo terror vivenciado por milhares de mulheres cis e trans e pessoas não binárias, e que com frequência alarmante resulta nos altos índices de feminicídios e assassinatos de pessoas trans. Orientadas pelo Bem Comum denunciamos também as redes de exploração sexuais e os regimes de expropriação do trabalho e da energia vital, causando traumas e fortalecendo ciclos de violências que remontam ao processo colonial.
Combatemos também os fardos sociais impostos pela colonização que se atualiza constantemente em (re)configurações e mantém as estruturas de poder, especialmente a violência racial, que desumaniza, desvaloriza e estabelece modelos e estereótipos através dos quais as pessoas racializadas estarão sempre em desvantagem, causando diversos tipos de sofrimentos.
Nosso caminho é de construção do Bem Viver que cuida de todos os corpos, sem distinção, e que acolhe todas as vidas. Denunciamos e enfrentamos o cis-tema (o sistema que privilegia pessoas cis) LGBTQIA+fóbico, lutando por uma sociedade onde caibam todas as expressões de gênero e sexualidade. A diversidade é parte fundamental do aprendizado coletivo e da construção do Bem Comum.
Acreditamos que não é possível construir vínculos e manter territórios e comunidades saudáveis sem que haja aceitação da diversidade, reconhecimento mútuo e autonomia dos corpos. Afirmamos nossa luta pelos direitos sexuais e reprodutivos, para que questões cruciais, em especial o aborto, possam ser debatidas livres de tabus, estigmas, perseguições ou violência.
É alarmente ver que o direito ao aborto legal é cotidianamente negado, chegando ao extremo de se impedir até as mulheres, meninas e pessoas transgêneras estupradas de interromperem gravidezes resultantes dessas violências. Os argumentos fundamentalistas e patriarcais que naturalizam a violência sexual são cruéis. Eles promovem uma verdadeira guerra contra as mulheres, as meninas e pessoas trans. Persistimos, Criança Não é Mãe! Estuprador não é pai! As mulheres têm direito de decidir sobre manter ou interromper a gravidez. Nossos corpos, nossos territórios! Não se viola, não se maltrata, não se mata!
Denunciamos também a cotidiana violência política de gênero que recai justamente sobre as ativistas cis e trans que bravamente lutam para “democratizar a democracia”, tornando-a realidade para todas e todes, pelos direitos humanos e pelo Bem Viver. Neste ano eleitoral, ressaltamos a importância de defender as candidaturas das mulheres cis e trans, assim como os mandatos de representantes comprometidas e comprometides com a transformação ecossocial, com a igualdade de direitos, com a defesa de todas as formas de vida em comum. Entendemos a importância da eleição do atual governo, que representou uma volta aos rumos democráticos, com um fundamental protagonismo do voto e do engajamento das mulheres. Mas ressaltamos que é preciso aperfeiçoar a democracia, para a (re)construção venha com a garantia de direitos a todas e todes através de políticas públicas!
Convocamos governos e toda a sociedade a adotarem políticas urgentes para o enfrentamento da crise climática considerando que seus maiores impactos recaem sobre as mulheres, principalmente negras. Para isso é preciso a construção de uma transição energética justa, com processos e soluções que sejam decididos de forma participativa, com objetivo de reduzir as violências do racismo ambiental tão presentes nas vidas de todas as mulheres.
Nesse sentido, a luta do 8 de março se insere em nosso horizonte de compromisso com a vida das mulheres, todos dias, o ano inteiro, resistindo e construindo alternativas para o Bem Viver e outras formas de cuidar, conviver e compartilhar a vida no nosso planeta.