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Sob ataque: Parlamentares ruralistas ameaçam a proteção de defensores no Brasil

  • Date : 17 de novembro de 2025

Parlamentares do Senado e Congresso Nacional ligados a latifundiários e a Frente Parlamentar da Agropecuária querem suspensão do Plano Nacional de Proteção à DDHs

Imagens: Ascom-Congresso Nacional

Brasília, 17 de novembro de 2025 – O Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH), que congrega 45 organizações e movimentos sociais, vem a público manifestar profunda preocupação e denunciar a articulação política de parlamentares de oposição, ligados à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA),  a latifundiários e a bancada ruralista no Poder Legislativo no Senado Federal e no Congresso Nacional, para suspender o Decreto nº 12.710, que institui Plano Nacional de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (PlanoDDH).

Para o Comitê, não é exagero afirmar que a principal política pública do país para proteção de defensoras/es de direitos humanos está sob ataque do agronegócio, ruralistas e latifundiários.

A ameaça surge com a apresentação de dois Projetos de Decreto Legislativo (PDLs) protocolados pelas senadoras Tereza Cristina (PP-MS) e Jaime Bagattoli (PL-RO), e mais cinco PDLs de autoria dos deputados federais: Rodolfo Nogueira (PL-MS), Pedro Lupion (Republicanos-PR), Sergio Souza (MDB-PR), Lucio Mosquini (MDB-RO) e Julia Zanatta (PL-SC). Eles alegam como justificativa para oposição ao decreto nº 12.710 que o PlanoDDH promove um “ataque à propriedade privada”, oferece “segurança jurídica falha” para produtores rurais, “legitima politicamente invasões de terra” e reconhece “invasores de terra” como defensores de direitos humanos.

O argumento dos parlamentares para essa ofensiva ao PlanoDDH está em consonância com o “Movimento Invasão Zero”: grupo de ruralistas e fazendeiros que, sem ordem judicial e com atuação semelhante à de milícias armadas, tem realizado ações de “reintegração de posse”, em áreas em processo de retomada por indígenas e/ ou ocupadas por trabalhadores sem-terra, realizando ações ilegais de despejo e destruição, e até mesmo homicídio, como no caso de Nega Pataxó, morta em janeiro de 2024, no sul da Bahia, além de associar movimentos sociais a práticas criminosas.

A ofensiva legislativa é vista com extrema gravidade pelo Comitê e um ataque a uma política pública essencial, especialmente considerando que o Brasil é consistentemente classificado como um dos mais perigosos e letais para defensores de direitos humanos, especialmente para aqueles que protegem o meio ambiente e territórios tradicionais.

Estudos recentes, como “Na Linha de Frente”, elaborado pela a Justiça Global e a Terra de Direitos, revelam que foram registrados 486 casos de violência contra defensores entre 2023 e 2024, (298) e 2024 (188), totalizando 55 assassinatos nos últimos dois anos, com 80,9% das vítimas atuando na defesa ambiental e territorial. O Pará, palco da COP 30, concentra 94% das violências cometidas contra defensores ambientais devido a conflitos territoriais, com a frequência de um caso de violência a cada 36 horas no Brasil, segundo o estudo.

O PlanoDDH foi editado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 5 de novembro, cumprindo uma determinação judicial proferida em maio de 2021 pela 3ª Turma do Tribunal Regional Federal, que acatou uma apelação do Ministério Público Federal (MPF) em uma Ação Civil Pública de 2017, que ordenou a criação de um plano nacional de proteção. O decreto é, ainda, parte da implementação da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) no caso Sales Pimenta vs. Brasil. O caso trata da impunidade do assassinato do advogado Sales Pimenta, em 1982, por latifundiários, em Marabá , Pará.

 

Critérios técnicos e precedentes históricos

O PlanoDDH é resultado do trabalho desenvolvido no âmbito do Grupo de Trabalho Técnico Sales Pimenta, criado através do decreto Decreto nº 11.562, composto paritariamente entre estado — com 10 representantes, entre o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, a Secretaria-Geral da Presidência da República e da Advocacia-Geral da União —, e a sociedade civil — com a participação de 10 organizações e movimentos sociais titulares, além de 10 suplentes. O GTT Sales Pimenta conduziu um processo de escuta, com consultas, audiências públicas e reuniões descentralizadas que reuniram defensores de contextos urbanos, rurais, quilombolas, indígenas e periféricos em todas as regiões.

O decreto  nº 12.710 que institui o Plano DDH é essencial para garantir a atuação de forma segura de defensoras e defensores de direitos humanos no país, reafirmando o compromisso com o fortalecimento da democracia e com a garantia e proteção de direitos.

Ele estabelece a cooperação interministerial e interfederativa (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), com o objetivo de fortalecer ações coordenadas de proteção, e prioriza a proteção coletiva e territorial para grupos mais vulneráveis, como: comunidades indígenas, quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais; comunicadores e ambientalistas; e defensores do campo e das periferias urbanas.

Para o Comitê, a violência contra as/os/es defensoras somente será efetivamente combatida de forma estrutural com o reconhecimento efetivo do direito à terra e ao território por meio da demarcação de terras indígenas e quilombolas, de uma política fundiária que resolva os conflitos territoriais de forma definitiva; e da garantia do direito das mulheres, crianças e outras pessoas LGBTQIA+ sobre seus corpos-territórios, aliada a um Plano Nacional de Proteção robusto, consolidando uma política pública voltada à garantia do direito de luta e à proteção da vida de quem atua na defesa dos direitos humanos no Brasil”.

De acordo com dados do relatório “Violência Contra Povos Indígenas no Brasil”, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), em 2024, mais de 200 indígenas foram assassinados. Os três estados com maior número de homicídios de indígenas pelo terceiro ano consecutivo foram: Roraima (57), Amazonas (45) e Mato Grosso do Sul (33), com destaque também para a Bahia, onde 23 indígenas foram assassinados. O ano de 2024 foi o primeiro sob a vigência da Lei 14.701/2023, aprovada pelo Congresso Nacional e promulgada nos últimos dias de dezembro de 2023.

Já o relatório “Conflitos no Campo Brasil”, organizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), mapeou 2.185 ocorrências de conflitos no campo (por terra, água, trabalho e resistências), em 2024, com 13 assassinatos. É o segundo maior número de toda a série histórica realizada pela CPT, em 40 anos.

É a partir desse conjunto de dados que, o Comitê reitera que o Decreto nº 12.710 não é uma “brecha” para a classificação indevida de coletivos, comunidades e de indivíduos como defensores de direitos humanos, mas sim a consolidação de uma política pública essencial voltada à garantia do direito de lutar e à proteção da vida de quem atua na defesa dos direitos humanos no Brasil.

Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH)

Imagens: Ascom/Congressos Nacional