Por Terra de Direitos
Colegiado composto por representantes de organizações sociais e do Poder Executivo tem a missão de aprimorar a política em meio à cenário alarmante de forte violência contra quem defende direitos humanos no país
Nos dias 5 e 6 de dezembro, o Grupo de Trabalho Técnico (GTT) Sales Pimenta, de composição paritária, tem a representação de 20 organizações e movimentos sociais de defesa e promoção de direitos humanos (10 titulares e 10 suplentes), entre elas a Terra de Direitos (veja lista abaixo), e 20 membros representantes do Executivo, deve se reunir em Brasília (DF) para novos trabalhos do colegiado. A ação inicial para o aprimoramento do Programa Nacional Proteção dos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas acontece quase 3 anos após a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF), que condenou a União à elaborar um Plano Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos.
A elaboração de uma política de proteção, autônoma de gestões de governo, é reivindicada há anos por movimentos populares e organizações sociais. No relatório elaborado pela Terra de Direitos e Justiça Global, intitulado “Começo do Fim? O pior momento do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas”, as organizações avaliam com preocupação os rumos da implementação da política no Brasil, com problemas como a insuficiente baixa execução orçamentária nos últimos anos e falta de participação social e transparência, entre outros. Atualmente somente 11 estados possuem políticas locais de proteção para defensores e defensoras de direitos humanos.
Esta baixa cobertura é ainda mais grave considerando o aumento de risco para a atuação de defensores(as) nos últimos anos. Os dados da pesquisa “Na linha de Frente“, também produzida pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global, identificou 1171 casos de violência contra defensores(as) entre 2019 e 2022, quando o país estava sobre o governo do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL). Com registro de casos em todos estados, foram registrados 169 assassinatos e 579 ameaças neste período. Já em 2023 não se sabe ao certo quantas vidas foram ceifadas pelos conflitos por direitos humanos, somente entre outubro e novembro deste ano, sete defensores (as) de direitos humanos foram mortos no país, apontam os movimentos sociais. Dentre os casos recentes está a liderança quilombola de Salvador (BA), Mãe Bernadete, do Quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, na Região Metropolitana da capital. E também dois assentados do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra na Paraíba, Ana Paula Costa Silva e Aldecy Viturino Barros.
Na avaliação do coordenador executivo da Terra de Direitos, Darci Frigo existe uma corrida contra o tempo para a reformulação das políticas de proteção e também ações imediatas para que novas vidas não sejam perdidas. “O GTT vai pensar a reformulação da política de proteção a defensoras e defensores de direitos humanos, que deve estar no centro das prioridades das políticas de direitos humanos do Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania. Mas, o Grupo de Trabalho terá também que debruçar-se sobre medidas imediatas a serem adotadas para garantir a vida de lideranças em situação de risco no país. A mudança e a volta do funcionamento do Conselho Deliberativo do Programa nacional são medidas mais do que urgente”, destaca.
As organizações sociais e movimentos populares que compõem o Grupo de Trabalho são: Associação Artigo 19, Associação Nacional dos Atingidos por Barragens (ANAB), Justiça Global, Associação Nacional de Mulheres Camponesas (ANMC), Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), Terra de Direitos, Instituto DH Promoção Pesquisa e Intervenção em Direitos Humanos e Cidadania, Grupo Tortura Nunca Mais-Bahia, Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH Brasil), Centro dos Direitos Humanos de Nova Iguaçu, Coordenação das Associações das Comunidades remanescentes de Quilombos do Pará (MALUNGU), União Brasileira de Mulheres (UBM), Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG), Associação Brasileira de Lésbicas, Bissexuais, Gays, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), Instituto Vladimir Herzog, Fórum Nacional Pela Democratização da Comunicação (FNDC) e Brigadas Populares.
Além de representantes da sociedade civil, o Grupo de trabalho é composto por representantes do Poder Executivo. Na coordenação do colegiado está o Ministério de Direitos Humanos, sob liderança da secretária nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Isadora Brandão; e os ministérios da Justiça e Segurança Pública, do Meio Ambiente e Mudança do Clima, dos Povos Indígenas, das Mulheres, da Igualdade Racial, do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar – além de representantes da Secretaria-Geral da Presidência da República e da Advocacia-Geral da União.
A previsão é realização de encontros mensais para elaborar uma proposta de anteprojeto de lei sobre a Política Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, aos Comunicadores e aos Ambientalistas. O prazo para conclusão do trabalho é de seis meses.
Demora na instalação do Grupo de Trabalho
A história do GT Sales Pimenta começa muito antes de 2023. O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou a ação civil pública, em janeiro de 2017, requisitando que a União fosse obrigada a elaborar um Plano Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos.
No processo, o MPF afirmou que buscava sanar uma omissão da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH). O órgão ministerial afirmou que, na época do ajuizamento da ação, passados nove anos da publicação do Decreto n° 6.044/2007, determinando que o plano deveria ter sido elaborado no prazo de noventa dias, a iniciativa ainda não tinha sido concretizada. Acrescentou também à época que o plano visa garantir a continuidade do trabalho do defensor (a) que promove, protege e garante os direitos humanos.
A União se manifestou, argumentando que foi elaborada uma primeira versão do plano em 2007, cujas diretrizes estão sendo seguidas. Ainda complementou que em 2009 foi encaminhado um projeto de lei à Câmara dos Deputados que buscava instituir o Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH). Até hoje o projeto aguarda deliberação do Plenário da Câmara.
Além disso, a instauração do Grupo de Trabalho Técnico atende à necessidade de redução da letalidade e das ameaças de defensoras e defensores de direitos humanos, comunicadoras e comunicadores e ambientalistas e também decorre de condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo assassinato de Gabriel Salles Pimenta, em outubro de 2022.
Mobilização da sociedade civil
A demora na criação de um espaço para reformulação das políticas de proteção foi superada pela mobilização da sociedade civil brasileira, que se reuniu com o MDHC em janeiro deste ano para pactuar a criação e composição do GT. A criação do GT foi oficializada pelo MDHC no Diário Oficial da União no dia 13 de junho deste ano. Em menos de 60 dias uma grande mobilização coordenada pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) garantiu a divulgação, inscrições e eleições para definir a composição da sociedade civil no GT. Somente em 10 de novembro, o Grupo se reuniu virtualmente para deliberar sobre o cronograma de trabalho, tendo sua primeira reunião presencial agendada para 5 e 6 de dezembro.
Confira a linha do tempo:
- Decreto presidencial de aprovação da Política Nacional – fevereiro de 2007
- Ação civil pública pelo MPF – janeiro de 2017
- Decisão TRF4 em favor da reformulação das políticas – junho de 2017
- Decisão contra o Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gabriel Salles Pimenta – outubro de 2022
- Oficialização de criação do GTT pelo MDHC – junho de 2023
- Divulgação de abertura de inscrições para o GTT – junho de 2023
- Eleições e envio da composição do GTT pelo CNDH ao MDHC – agosto de 2023
Acenos para o futuro
Uma das principais reivindicações da sociedade civil e dos movimentos sociais é a criação de uma política nacional, via Projeto de Lei, para garantir unidade nas ações de proteção nas diferentes regiões e estados brasileiros. Além disso, atuantes na pauta cobram uma dotação orçamentária específica para garantir a continuidade das ações.
Também são necessárias ações interministeriais para garantir o fim efetivo da violência contra defensores e defensoras. Segundo, também os dados do estudo “Na linha de Frente” deste ano, a grande maioria dos casos de ameaças foram contra defensoras e defensores que atuam na defesa de direitos ligados à terra, território e meio ambiente.
Os defensores indígenas foram alvos de grande parte das violências sofridas por defensores de direitos humanos nos últimos quatro anos (2019 – 2022): 346 casos, sendo 50 assassinatos e 172 ameaças. Em análise o estudo aponta para a falta de enfrentamento por parte do Governo Federal aos problemas estruturais, como a concentração fundiária, não demarcação de territórios indígenas, a não titulação de quilombos, entre outros – o que aumentou a exposição de defensores (as) a violências.
Diante de um cenário de composição majoritariamente conservadora do Congresso Nacional, abertamente contrários ao avanço da política de direitos, como as frentes armamentista e da Agropecuária, as organizações avaliam como fundamental o envolvimento da sociedade brasileira para pressionar o Executivo e Legislativo para aprovação da política de proteção aos defensores e defensoras de direitos humanos.