De acordo com relatório divulgado, 66 ativistas foram assassinados em 2016.
Por Raul Gondim
Segundo dossiê divulgado pelo Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH), no ano de 2016 foram assassinados 66 defensores e defensoras de direitos humanos no país e outros 64 foram criminalizados, atacados ou ameaçados. Além de apontar os números, o dossiê “Vidas em luta: criminalização e violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil”, lançado no dia 4 de julho, evidencia a ação criminosa de empresas, agentes privados e até mesmo do Estado para impedir a efetivação de direitos humanos e a luta de quem os defende.
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“O dossiê é uma primeira tentativa do comitê em apresentar um diagnóstico da situação de violações contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil. Os anos de 2016 e 2017 apresentaram um crescente de violência e criminalização dos movimentos sociais. Nós não queremos deixar que isso aconteça na invisibilidade”, afirma Layza Queiroz, advogada popular da Terra de Direitos e integrante do CBDDH.
Rondônia é o estado com o maior índice de assassinatos de defensores e defensoras de direitos humanos: são 19 ocorrências em 2016. O relatório do CBDDH chama atenção para o fato de que “no estado de Rondônia está em curso uma alarmante escalada de violência e criminalização, onde trabalhadoras/es rurais e camponesas/es sem terra sofrem despejos, agressões, ameaças, roubos, perseguições e assassinatos”.
O levantamento realizado aponta que somente no Acampamento 10 de Maio, localizado no município de Alto Paraíso, sete pessoas foram assassinadas em quatro ocasiões diferentes, todas elas no contexto da luta por posse da terra. Entre elas, o casal de lideranças sem terra Edilene Mateus Porto e Isaque Dias Ferreira, que foi assassinado no dia 13 de setembro. Ambos haviam realizado denúncias aos órgãos públicos sobre os conflitos no local e estavam ameaçados de morte.
No contexto urbano, o dossiê registrou assassinatos de ativistas LGBT, comunicadores e lideranças comunitárias, associados a um expressivo recrudescimento da repressão policial a manifestações populares nas capitais e grandes centros, principalmente após a onda conservadora instaurada pelo governo ilegítimo de Michel Temer. Para o CBDDH, exemplos desta maior criminalização seriam as ações policial e militar nos protestos convocados pelo Movimento Passe Livre em São Paulo, nos conflitos causados pelas remoções forçadas da Vila Autódromo no Rio de Janeiro e nas manifestações populares contrárias ao atual governo federal e suas medidas.
O documento ressalta ainda que muitos crimes cometidos contra defensores e defensoras de direitos humanos no contexto urbano são notificados como conflitos individuais ou mortes em função do envolvimento com o tráfico de drogas, o que prejudica a aferição de um número real de assassinatos, criminalizações e ameaças.
Como explica Thaís Lopes, advogada popular do Coletivo Margarida Alves, “o contexto urbano é múltiplo, difuso, acelerado e a violência contra defensores que atuam na pauta urbana também é. Em meio a esse cenário complexo, os ataques são misturados à tão banalizada ‘violência urbana’. Não raras vezes, tudo cai na conta do combate à criminalidade, da guerra do tráfico de drogas. Os inúmeros que morrem diariamente são sempre só mais um que morreu. Se foi na periferia e era negro então, era bandido, ‘foi tarde’”.
Grandes empreendimentos
Um ponto de destaque no dossiê é a denúncia do alto índice de criminalização e perseguição a movimentos sociais e comunidades atingidas por grandes projetos de mineração, infraestrutura, energia, transportes, pecuária e reordenamento das cidades, levados a cabo por empresas e pelo próprio Estado. O relatório aponta 16 casos do tipo em 2016, sendo a principal estratégia utilizada por estes empreendimentos o ingresso de ações criminais e possessórias, como o interdito proibitório.
Dentre as empresas citadas pelo documento como protagonistas na perseguição a defensores de direitos humanos estão as mineradoras Samarco, Vale, BHP Billiton, Anglo American, os grupos Camargo Corrêa, Odebrecht e a INB.
Mulheres
Entre os 66 defensores e defensoras assassinados no último ano, 6 são mulheres. O dossiê destaca a morte de Francisca das Chagas Silva, quilombola da comunidade de Joaquim Maria e dirigente do Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Miranda do Norte, no Maranhão. O corpo de Francisca foi encontrado em uma poça de lama, nu e aparentava sinais de estupro, estrangulamento e perfurações. Para o Comitê, “a vida de Francisca foi retirada por ela ser uma defensora de direitos humanos e o seu corpo foi violado para registrar que ela, como mulher e negra, não deveria ousar ocupar aquele espaço de liderança”.
Recomendações
Ao final do documento, o CBDDH realiza apontamentos e faz recomendações, visando a garantia da livre atuação de defensores e defensoras de direitos humanos, através da implementação e fortalecimento não só do Programa de Proteção, mas do próprio Comitê, entre outras medidas. O documento será encaminhado aos órgãos públicos do Sistema de Justiça e dos Poderes Executivo e Legislativo, além de organismos do Sistema Regional e Internacional de Direitos Humanos