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Câmara aprova urgência para análise de projeto que reedita Lei de Segurança Nacional

  • Date : 20 de abril de 2021

Mesmo com o repúdio em manifesto de mais de 120 organizações de setores populares que dizem NÃO ao trâmite em urgência do PL 6764/2002

Sem debate com população, Câmara aprova requerimento de urgência de votação de PL de grandes impactos para democracia. Foto: Placar da Câmara.

Por 386 votos a 57, nesta terça-feira (20), a Câmara dos Deputados aprovou a urgência de um projeto que revoga a Lei de Segurança Nacional (LSN) e acrescenta, no Código Penal, crimes contra o Estado Democrático de Direito. Na prática, esta aprovação acelera a tramitação do projeto, fazendo com que ele seja votado diretamente no plenário da Câmara, sem a necessidade da participação popular no debate e sem passar por comissões parlamentares, como seria o rito natural. 

Pela manhã, antes da votação no plenário do Congresso, em um ato amplo e plural, diversas organizações sociais manifestaram seu repúdio à  tramitação acelerada do PL 6764/2002. Para as entidades, a insistência de urgência na tramitação do projeto é um descolamento da realidade de um país que vive o auge da crise da Covid-19, com mais de 3 mil mortes por dia e o crescimento da fome. Sem uma política de distribuição de renda e com menos de 5% da população vacinada, as entidades defendem que #temCoisaMaisUrgente para o Congresso votar e enfrentar.  

Milena Argenta, representante do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, durante ato online

“O papel do congresso nesse momento é intervir para frear a disseminação do vírus e dar  um basta na política de morte do governo Bolsonaro, tirando da gaveta um dos diversos  pedidos de impeachment do presidente. Então, nós dizemos não à urgência do #PL6764. Queremos amplo debate para discutir esse tipo de questão e queremos urgência de vacinação para toda a população. Queremos comida no prato”, ponderou Milena Argenta, representante do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos. 

O ato, que contou com a presença de diversas organizações da sociedade civil, dentre elas vítimas da ditadura militar, juristas, movimentos populares , militantes de direitos humanos de diferentes segmento, se encerrou com um manifesto assinado por mais de 120 organizações e movimentos populares,  afirmando que: “qualquer legislação que trate do tema deve, imprescindivelmente, romper com a lógica autoritária e do inimigo interno que marca o espírito da Lei de Segurança Nacional”.  

Para as organizações, o texto que hoje está em debate não supera o paradigma. Ao contrário, reedita e insere novos tipos penais que, em vez de proteger o Estado de Direito, poderão ser utilizados para reforçar as estratégias de criminalização de organizações e movimentos populares. Especialmente no contexto atual, de aumento da violência política, da hostilidade contra defensores e defensoras de direitos humanos e da perseguição a vozes dissidentes. Por isso, demandam participação social e transparência do processo legislativo, pilares da democracia. 

Entenda o caso

A Lei de Segurança Nacional foi criada durante a Ditadura Militar e define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social. Entre os crimes previstos está caluniar ou difamar o presidente da República, os presidentes do Senado, da Câmara e do STF, “imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação”.

Nos últimos meses, o governo federal vem usando a LSN para mover investigações contra críticos do governo Bolsonaro. Os casos do blogueiro Felipe Neto, dos manifestantes presos em frente ao Palácio do Planalto após estenderem uma faixa que dizia “Bolsonaro Genocida”, são exemplos. Em alguns estados, policiais também detiveram pessoas que se manifestaram contra o presidente com base nessa lei, usando a lei para silenciar, censurar e até criminalizar jornalistas. 

Essa situação fez surgir no Congresso um movimento para rever a Lei de Segurança Nacional. O debate sobre a problemática da legislação não é novo: desde o começo dos anos 2000, se acumulam nas casas legislativas propostas de alteração e revogação dos dispositivos da Lei. Grande parte destes vêm a partir de reflexões quanto ao caráter autoritário do texto legal, que reúne terminologias voltadas para a criminalização de opositores do Governo. 

Segundo a deputada Margarete Coelho (PP-PI), relatora da matéria, o parecer ainda está sendo construído e o mérito não será analisado nesta semana. Porém, a tramitação em regime de urgência exclui a participação de setores populares no debate do texto. Além disso, como afirmado por Milena Argenta, representando o ComiteDDH: “Agora, a responsabilidade dos nossos representantes no Congresso é atuar para conter o projeto antidemocrático  do governo federal que estamos enfrentando, e não legitimá-lo em meio à pandemia que já matou 375 mil pessoas, sem contar as pessoas que estão morrendo de fome”. 

Somente o PSOL e o PSL orientaram suas bancadas a votar contrário à aprovação da urgência do PL 6764. Os deputados que compõem os partidos da Minoria e da Oposição, junto com o Podemos, foram liberados de acompanhar a orientação da bancada. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado do governo, defendeu a votação do texto.  

Leia na íntegra da fala da representante do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, Milena Argenta, durante o ato online:

“Represento o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, uma rede de 42 organizações e movimentos sociais que atuam na defesa dos direitos humanos no Brasil. Para as pessoas que defendem os direitos humanos no país, as violências, os ataques, as tentativas de silenciamento e de interromper a sua atuação política são inúmeras, e partem do poder econômico, racista e patriarcal, das empresas, do agronegócio, das forças conservadoras e fundamentalistas, e também do próprio Estado. É por isso que nós estamos preocupados com a urgência desse Projeto de Lei, porque a gente sabe que as leis penais tem um alvo certo.

Sob o pretexto de proteger a segurança nacional, como se a gente tivesse sob um ataque, uma nova lei punitivista tende a ser instrumentalizada para perseguir e criminalizar aquelas pessoas que contestam a ordem vigente, que defendem seus direitos e denunciam as atrocidades cometidas pelo próprio Estado. Isso já acontece com a Lei de Organizações Criminosas, que já provocou a prisão de defensores de diversos campos de luta: pela terra, estudantes ou pessoas que participam de protestos. Nestes tempos de crise, a tendência é que o povo sem trabalho, sem renda, sem vacina, com fome, aumente os protestos mesmo com os impedimentos do isolamento social e da pandemia. O risco deste projeto de lei é que se legitime a censura, a repressão, atingindo as pessoas que fazem a luta por direitos neste país.

A Lei de Segurança Nacional é um entulho da ditadura que deveria ter sido revogada há muito tempo. Durante todos esses anos de construção democrática desse país, não encaramos a ameaça antidemocrática que a LSN representa e a necessidade de revogá-la inteiramente. Agora, a responsabilidade dos nossos representantes no Congresso é atuar para conter o projeto antidemocrático do governo federal que estamos enfrentando, e não legitimá-lo em meio à pandemia que já matou 375 mil pessoas, sem contar as pessoas que estão morrendo de fome.

É um absurdo que a prioridade do congresso seja a votação de uma Lei de Segurança Nacional em um momento em que não existe uma política efetiva de apoio emergencial para os desempregados da Covid-19. A urgência do congresso precisa ser o enfrentamento à fome, a pandemia, a vacinação de toda a população e o pagamento de um auxílio emergencial que não apenas garanta a segurança alimentar, mas que permita também à classe trabalhadora o isolamento social durante a pandemia. É notável e reconhecido por amplos setores da sociedade os crimes de responsabilidade cometidos pelo governo, pelo presidente, que transformou o Brasil nesse criatório do coronavírus.

O papel do congresso nesse momento é intervir para frear a disseminação do vírus e dar um basta na política de morte do governo Bolsonaro, tirando da gaveta um dos diversos pedidos de impeachment do presidente. Então, nós dizemos não à urgência do #PL6764.

Queremos amplo debate para discutir esse tipo de questão e queremos urgência de vacinação para toda a população. Queremos comida no prato”. 


Das 48 organizações participantes do ato, 13 delas integram a rede do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos: Artigo 19; Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT);  Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia – AATR; Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis; Centro Feminista de Estudos e Assessoria – CFEMEA; Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG);  Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino; Grupo Tortura Nunca Mais da Bahia; Justiça Global; LAJUSA – Laboratório de Justiça Global e Educação em Direitos Humanos na Amazônia; Movimento Sem Terra; Movimento Nacional de Direitos Humanos; Terra de Direitos.