O Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH) irá cobrar do governo brasileiro um pedido para uma missão oficial da relatoria da Organização das Nações Unidas (ONU) ao país. A decisão se deu durante reunião do Comitê com o Relator Especial da ONU sobre a situação de defensores e defensoras de direitos humanos, Michel Forst, em Brasília, nesta segunda-feira (02).
“Acreditamos ser fundamental sua presença oficial no Brasil o mais rápido possível, seja convidado ou convidando a si mesmo. Nós, da sociedade civil, vamos fazer o que for necessário para garantir essa visita oficial ainda antes das eleições do ano que vem”, enfatizou Maria Mello, representante do Comitê. Maria Mello e Antonio Neto coordenaram a reunião pelo CBDDH .
O relator, que acompanha a situação das defensoras e defensores em todo o mundo, ouviu índios, quilombolas, trabalhadores rurais e urbanos, além de representantes das entidades que integram o Comitê. Os relatos foram sobre cada situação de ameaça, violência e criminalização enfrentadas no dia a dia em seus territórios.
“Quando assumi essa relatoria, em 2014, decidi fazer uma consulta muito ampla com defensores em todo o mundo para ter uma ideia do que eles estavam vivenciando em termos de ataques. O que eles me falaram foi que, em muitos países, os ataques vêm de atores como oficiais do governo, mídia e grandes empresas que não entendem, ou não querem entender, o trabalho positivo dos (as) defensores (as), e que tentam fazer um retrato deles como sendo inimigos de Estado, ou como pessoas que são contra o desenvolvimento”, destacou Forst.
A criminalização, aliada à falta de ações protetivas, contribui com a escalada da violência. Somente neste ano já foram registrados 62 assassinatos de defensoras e defensores no Brasil. No ano passado foram 66. O Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), que deveria ser o principal instrumento de proteção, acumula lacunas. Lançado em 2004, o PPDDH já esteve presente em 13 estados. Hoje, funciona apenas nos estados de Minas Gerais, Pernambuco e Maranhão. Nos três existem problemas na execução dos recursos e continuidade do Programa. Michel Forst lembrou, também, que para que essas políticas de proteção funcionem, as ações não podem estar apenas nas capitais, mas nos territórios onde essas defensoras e defensores vivem.
A violência nas favelas cariocas, as ameaças contra lideranças do Movimento dos Trabalhadores por Direitos (MTD), as perseguições e altíssimos índices de assassinatos aos militantes LGBTs, o acirramento do cenário de violência cotidiana no Pará, além da necessidade de garantir proteção aos sobreviventes da chacina de Pau D’Arco, as violências e a resistência dos quilombolas em Alcântara (MA) e no Quilombo Rio dos Macacos (BA), as frequentes intimidações aos trabalhadores (as) do assentamento Raimundo Viera III, em Nova Guarita (MT), o pedido de proteção aos índios Gamelas (MA) depois de soferem um ataque com armas de fogo e facões. Todos esses casos foram relatados aForst durante a reunião.
O relator afirmou que nenhum governo no mundo quer ver seu nome associado a violações de direitos humanos, e por isso nem sempre a vontade das organizações para que uma missão oficial seja realizada no país é atendida pelos governos. “Quando não sou convidado, eu mesmo me convido”, disse ele, para lembrar que as organizações também podem se articular entre si para que essa missão seja autorizada.
A última missão oficial da ONU no Brasil para checar a situação das defensoras e defensores de direitos humanos ocorreu em 2005. À epoca, a paquistanesa Hina Jilani, que ocupava o cargo de secretária-especial da organização, declarou em seu relatório que o governo brasileiro “não conseguia proteger ativistas e defensores de direitos humanos, que são mortos e ameaçados no país”.
Doze anos depois, organizações de defensores de direitos humanos denunciam que o quadro de violência só vem crescendo: além dos assassinatos que já ocorreram, muitos deles com características de chacinas e execução, outras pessoas continuam ameaçadas. Alguns desses casos foram denunciados em uma carta aberta intitulada “mortes anunciadas no Brasil em 2017”. O documento produzido pelo CBDDH, com 15 casos em que pessoas podem ser mortas a qualquer momento no país, também foi entregue ao relator da ONU durante a reunião.